19 março 2013
Por favor, qual meu nome?
Tudo aconteceu muito rapidamente. Eu e todos os outros milhares de vocábulos estávamos bem acomodados no nosso livro. Era um modelo importado de 1935. Objeto elegante, delicado, acabamento esmerado. Além de nós, havia seis mil gravuras e ainda 90 mapas. Na capa dura lia-se Diccionário prático illustrado. Dicionário com dois cês e ilustrado com dois eles. Era como se nossas poltronas estivessem numeradas. Cada termo estava assentado em lugar certo. E o conjunto estava de pé numa prateleira ao lado dos colegas, Português-Inglês / Inglês Português, Novo dicionário básico da língua portuguesa, Novíssima enciclopédia, Dicionário de sinônimos e antônimos.
Foi aí que um descuidado puxou o compêndio pela lombada e o derrubou ao chão. Várias páginas se soltaram e voaram assustadas com o sopro do ventilador. Eu, uma palavrinha azarada, bati a cabeça e perdi a memória. Esqueci meu nome. Em vez de me levarem a um médico, levaram-me a um lexicógrafo.
Essa figura de nome esquisito ajeitou os óculos de lente grossa sentou-se à minha frente, ordenou as minhas cinco letras e chamou-me de chusma. Ele afirmou que eu era uma chusma. Retruquei que não era esse o meu nome. Ele então me chamou de ruma, que dava na mesma. Eu disse que exigia respeito, e que sem querer ofender ninguém, meu nome era muito mais bonito.
O doutor ergueu uma das sobrancelhas e afirmou que eu era uma pessoa muito irritadiça, nervosa.
– Doutor, sei das suas boas intenções em tentar me ajudar a recuperar o meu nome, mas as suas tentativas foram vãs até agora. Meu nome não significa nada para ninguém?
– Seu nome também é o de um jogo de cartas.
– Poquer, trinca, paciência, buraco, truco, blackjack? - indaguei curioso.
– Muito bom. Gosto quando você se esforça para recordar. Mas são apenas cinco letras. Infelizmente essa dica foi fraca: é um jogo pouco comum, – o lexicógrafo faz uma pausa, mexe com os olhos para cima como se buscasse a memória, e continua – seu nome também é um verbo. O mesmo que saqueia, furta ou surrupia. Lembrou?
Eu neguei com a cabeça. – Eu sou do bem – respondi. – Será que não há nada melhor para dizer do meu nome?
– Há sim. Vou dar uma última chance.
– Qual é a dica?
– Você também é um sistema que transforma energia química em energia elétrica. Lembrou do seu nome?
Pense.
Lembrou?
Isso não é piada, nem pilhéria.
Se você pensou em pilha, acertou.
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2 comentários:
Bom-dia!
Gostei muito desse seu texto!
Um abraço.
Obrigado, Ângela. Aposto que você acertou antes da metade do texto.
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