14 abril 2015

O homem que amava os cachorros

O HOMEM
QUE AMAVA
OS CACHORROS

LEONARDO PADURA

Editora Boitempo

590 páginas

R$ 60,00



Nesta primeira dezena de abril de 2015 as manchetes de todos os jornais destacaram o restabelecimento das relações entre Cuba e Estados Unidos após 62 anos de embargo comercial.
A poderosa Globo ao perceber o movimento de aproximação enviou rapidamente um repórter para colher depoimentos cubanos sobre o viver na ilha. A maioria dos entrevistados era de anônimos até que, para a minha surpresa, conversaram com Leonardo Padura que falou com clareza e impressionante liberdade sobre as dificuldades e perspectivas de morar em Cuba.
Não foi à toa.
Ele foi escolhido pelo seu recente reconhecimento e premiações literárias na Espanha, França, Itália além da própria Cuba.
No romance O homem que amava os cachorros, Padura aparentemente sem cerceamento de expressão, reconstrói a figura do polêmico líder soviético Leon Trotski, do seu assassino e de um frustrado escritor cubano nos tempos atuais. O romance ficcional entrelaça com maestria a biografia dos três personagens, desvenda os crimes da União Soviética de Joseph Stalin, penetra na guerra civil da Espanha e comenta sobre a vida em Cuba nos dias atuais.
Por sorte não fui interrogado por nenhum membro da NKVD*, entretanto tenho a confessar que a leitura foi pesada em todos os sentidos. Pela quantidade de páginas e principalmente por causa das severas revelações dos métodos do tirano Stalin.
Não sei se por medo de interrogatórios, mas os russos de forma geral são conhecidos por vários nomes e apelidos. Trostki foi batizado Liev Davidovich Bronstein. Stalin recebeu o nome de Iossif Vissarionvitch Djugashvili. Lenin era Vladimir Ilitch Ulianov. O assassino espanhol, Jaime Ramón Mercader del Rio Hernández, a cada capítulo se escondia atrás de outro codinome. Além dos nomes, codinomes e apelidos impronunciáveis na maioria das vezes, conhecermos pouco as figuras do passado soviético o que tornou a leitura um desvendamento de um código secreto.
Exterminando esse problema que é nosso e não do livro, a leitura ficou palatável e em vários momentos verdadeiramente saborosa.
O autor desde o início nos previne que “fanatismos não se discutem, pois encerram em si mesmos um diagnóstico.” E de uma forma geral sugere que os seguidores de Karl Marx foram também seguidores de Maquiavel ao aplicar a máxima que o fim justifica os meios.
O resumo, bem resumido da história, é a revelação do segredo de um homem que encontra outro numa praia deserta. Ele diz ter sido treinado para executar Trotski quando este estava exilado no México.
Entretanto como o autor foi tão generoso ao escrever centenas de páginas eu seria deselegante se apresentasse um resumo de apenas três linhas.
Então, retribuindo a gentileza, faço um resumo estendido a partir de frases sublinhadas.
Mercader foi um rebelde espanhol que rompeu com o pai burguês pela causa socialista. Na Revolução Espanhola – movimento grevista com saldo de 1.400 mortos e mais de 30.000 detidos – convenceu-se de que a piedade não existe nem pode existir na luta de classes. Vive numa Madrid cansada desencantada, assediada pela escassez e ansiosa por regressar a uma normalidade destruída pela guerra e pelos sonhos revolucionários mesmo que ao preço infame da rendição. Embrenhou-se nas reuniões políticas a ponto de se destacar e ser cooptado pelo Partido para ações mais significativas para a causa da revolução que a simples panfletagem ou explosão de prédios.
Simultaneamente Stalin impera na União Soviética com um rebenque numa mão e um chocolate na outra. Por exemplo, para construir o canal que ligava o mar Branco ao Báltico chicoteou 200 mil prisioneiros, dos quais mais de 25 mil morreram, e presenteou com um bombom ao escritor Máximo Gorgki  quando este documentou para o mundo que o Canal demonstrava a supremacia da engenharia socialista e que se propunha a transformar os prisioneiros em modelos resplandecentes do Novo Homem Soviético.
Ao comunista madrileno que sonhava com a utopia, que todos fossem felizes, alimentados, abrigados, cheios de direitos e sem obrigações é ensinado que não se atacam os inimigos quando estão de pé, mas quando estão de joelhos. E é nesta posição, submissa pelo medo, que precisa estar a população opositora. Ele é doutrinado, não precisa entender nada, deve submeter-se à santíssima trindade: obediência, fidelidade e discrição. É apresentado e estuda a biografia, reescrita e publicada, de Trotski.
Trotski que havia sido um dos principais líderes e teóricos da Revolução Russa, foi derrotado e exilado por Stalin. Mesmo assim, de países distantes, consegue ser um combatente ferrenho escrevendo artigos. Por isso, na biografia reescrita deixa de ser russo para ser ucraniano. É chamado falso profeta, renegado, inimigo do povo. Dizem que é a maldade ideológica personificada elevada à enésima potência.
O exilado parece se alimentar e crescer com a difamação. Escreve pra vários jornais apontando a política de um governo que adota a perseguição e a mentira como recursos do Estado e estilo de vida para o conjunto da sociedade.
Baseado em minuciosa pesquisa o autor não deixa que o livro se transforme em maçante aula de história política. Mostra por exemplo, como os jovens são facilmente aliciados, como o assassino, e são convencidos para a grande missão. Que os homens do futuro terão um mundo mais seguro e melhor graças a pessoas como ele. Mostra também como o escritor é envolvido para escrever o romance.  A simultaneidade das histórias torna o resultado em leitura digna de aplausos ruidosos.
Sem dúvida e sem trocadilho, foi um dos grandes livros que li.




* NKVD – Narodnyi Komissariat Vnutrennikh Del ou Comissariado do Povo para Assuntos Internos.

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