21 janeiro 2016

Festa no covil

Juan Pablo Villalobos


Companhia das letras

R$ 30,00


88 páginas


Deliciosamente diferente de tudo que tenho lido. Leitura fácil e rápida. Difícil será resenhar com originalidade uma vez que na capa traz um teaser perfeito: “Um poderoso romance sobre inocência e bestialidade. Cômico e assustador.” Também no verso há um ótimo resumo e para completar há um posfácio espetacular, não deixando muita coisa para acrescentar.

A história lembra muito o filme A vida é bela de Roberto Benigni, onde um pai faz o filho acreditar que o Holocausto é um jogo sem que o menino perceba o horror no qual estão inseridos. No livro A festa no Covil o menino Tochtlili, mimado, percebe que o pai é rico, pode tudo, mas não tem a menor ideia de que do que o pai faz. Sabe que não pode chamá-lo de pai. Enquanto Yolcault é o maior traficante mexicano, o menino só tem interesse, uma quase fixação, em acrescentar um hipopótamo anão liberiano ao minizoológico.

Por segurança, Tochtili não pode sair do palácio onde mora. Conhece apenas uma dúzia de funcionários e seguranças que prestam serviços regulares na fortaleza. Está sempre com a cabeça coberta. A cada dia usa um chapéu diferente e guarda a enorme coleção no quarto dos chapéus. Quase todos os quartos da mansão tem acesso proibido e ficam trancados. Cercado de violência a percebe com naturalidade. Tem o momento de carinho com o pai assistindo juntos filmes de samurais com suas espadas cortantes sangrando oponentes. Entende que os americanos matam com tiros, os mexicanos com facões, os japoneses cortam cabeças com sabres e que os franceses são mais evoluídos por terem inventado a guilhotina.

Com tanto sangue e violência à volta, a inocência do menino que se julga esperto produz um efeito de assustadora e bizarra comicidade.

O autor conseguiu narrar uma história do mundo do narcotráfico a partir do ponto de vista de um menino sem precisar se envolver com drogas, armas, dólares, políticos e polícia. O bom de uma narrativa é quando o autor nos convence da verossimilhança da história. O garoto presencia ou comete barbaridades com a suavidade de quem come um sorvete.

É hilário quando conta um jogo de que gosta de brincar com o pai.

“Uma das coisas que aprendi com o Yolcaut é que às vezes as pessoas não viram cadáveres com uma bala. Às vezes precisam de três balas ou até catorze. Tudo depende de onde você atira. Se você atira duas balas no cérebro, com certeza eles morrem. Mas você pode atirar até mil vezes no cabelo que não acontece nada, apesar de que deve ser bem divertido de ver. Eu sei dessas coisas por causa de um jogo que eu e o Yolcaut costumamos jogar. O jogo é de perguntas e respostas. Um fala uma quantidade de tiros e uma parte do corpo, e o outro responde: vivo, cadáver ou diagnóstico reservado.

— Um tiro no coração.

— Cadáver.

— Trinta tiros na unha do dedo mindinho do pé esquerdo.

— Vivo.

— Três tiros no pâncreas.

— Diagnóstico reservado.”

                O texto é muito bem trabalhado. Por ter sido escrito pela ótica de um menino inocente parece superficial. Não é. Há reflexões geniais como quando sugere:

                “Alguém devia inventar um livro que dissesse o que está acontecendo neste momento, enquanto você lê. Deve ser mais difícil de escrever que os livros futuristas que adivinham o futuro. Por isso não existe. E aí a gente tem que investigar na realidade.”.

Por curiosidade, pesquisei os nomes escolhidos pelo autor para as personagens e tive confirmada a suspeita de que nada no livro é por acaso.


Personagem
Referência
Yolcault
É o mais poderoso chefe do tráfico de drogas do México (significa serpente venenosa/ cascavel)
Tochtili
É filho único de Yolcault (significa coelho – simboliza a inocência)
Mazatzin
Tutor de Tochtili. Professor. Desejou ser escritor. Cama Tochtili de Usagi (no calendário maia, asteca e tolteca Mazatzin é um professor)
Miztli
Vigia. Pajem de Tochtili. Matador (significa puma)
Chichilkuali
Vigia. Matador (significa águia vermelha)
Itzpapolotl
Empregada (significa mariposa com asas de navalha que governava o mundo do paraíso do deus Tomoachan)
Azcatl
Jardineiro – mudo (significa formiga vermelha responsável por manter a evolução das raças)
Itzcuautli
Cuidador do zoo – mudo (significa águia real)
Cinteotl
Cozinheira (deus do milho – principal alimento azteca)
Quecholli
Amante do pai. Vegetariana – muda (significa pena, pluma preciosa)
El Gober
Governador (gobernador em espanhol é governador)
Franklin Gómez
Nome hondurenho do passaporte falso de Mazatzin
Winston López
Nome hondurenho do passaporte falso de Miztli
Junior López
Nome hondurenho do passaporte falso de Tochtili. Também Jota Erre
John Kennedy Johnsson
Guia na selva da Libéria
Martin Luther King Taylor
Motorista da van de carga na selva da Libéria
Paul Smith
Traficante americano
Alotl
Nova professora para Tochtili. Amante do pai. Arara – ave que fala.

Espero que você goste tanto do livro quanto eu gostei.

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