01 agosto 2017

Sacola de supermercado


Não sou rico, não tenho carro do ano, mas sou um privilegiado. A minha vizinha é um colosso. Só de vê-la, o sol ilumina e aquece o hall de elevadores que não tem uma janelinha sequer.

O hall dos elevadores é o nosso local de encontros secretos. Tão secretos que ela nem sabe que são encontros.

Fiz a assinatura do jornal só pelo pretexto de pegá-lo bem cedinho na porta de casa e deparar com ela, casualmente, quase todos os dias, quando sai vestida para a academia.

Embora ela nem sempre responda aos meus bons dias, tenho certeza que se perfuma só para me enlouquecer ainda mais.

Já fiz uma série de exercícios mentais para tentar saber por que me ignora nesses três anos em que praticamente vivemos sob o mesmo teto. Descartei os fatos de que sou casado, 30 anos mais velho e escritor sem Nobel de Literatura.

Ontem tudo foi diferente. Minhas preces foram atendidas. Na hora do almoço, encontramo-nos na garagem e entramos juntos no elevador. Eu segurava duas sacolas de compras de supermercado. Enquanto ela pressionava o botão do nosso andar perguntou se eu cozinhava.

Em milissegundos enumerei algumas possibilidades para a resposta:

a)      Ela vai me convidar para jantar;

b)      Ela vai me chamar para ver um programa culinário na TV;

c)        Ela vai me ensinar a fazer bolinhos de chuva.

Respondi que gosto de cozinhar.

— Que bom. Lá na rua do açougue, aos sábados pela manhã, tem uma feirinha. Tudo natural. Tudo fresquinho. Mais barato que supermercado. Vai lá!

Quando chegamos ao nosso andar, nem o sol apareceu.


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