03 outubro 2017

TODOS OS ABISMOS CONVIDAM PARA UM MERGULHO


TODOS OS ABISMOS CONVIDAM PARA UM MERGULHO

Cinthia Kriemler

Editora Patuá

272 páginas

R$ 45 no site da editora




O título do livro é um indicativo da leitura que nos espera. Se você é do tipo mimimi, gosta de poesia lírica, rosas perfumadas e sedutores príncipes encantados procure a sua turma. Este livro é para os que sabem a diferença entre amor e sexo. E que também sabem que mortos, muito além das qualidades enumeradas pelo padre na beira do túmulo, fedem.
A autora não faz pacto com o leitor propondo histórias terríveis e solicitando o obséquio para o leito acreditar. Tudo é verossímil. Narrado em primeira pessoa, tudo é real e verdadeiro. Quando a luz se vai, a escuridão penetra.
Trata-se de uma assistente social depressiva que atende fragilizados na violência doméstica. A escolha da profissão não é opção masoquista para ouvir e intervir em dramas familiares. A protagonista vivenciou o terror com o pai, mãe e filha. Ela é forte. Objetiva minimizar o sofrimento de quem é subjugado.
Beatriz precisa entrevistar um pai. “Tenho que ouvir o depoimento desse lixo sem me alterar. Não posso apertar os lábios, nem franzir a testa, nem arquear as sobrancelhas, nem balançar o pé, nem fazer ironia, nem respirar com força. Nem, nem, nem, nem. Nenhum antagonismo. Imparcialidade, Beatriz, imparcialidade. Somos pessoas muito civilizada, nós que ouvimos sobre incestos, estupros, porradas, queimaduras, facadas, estrangulamentos, afogamentos, tiros, overdoses, suicídios. Que buscamos em cada abusador — pai, mãe, tio, irmão, namorado, colega, professor — um indício de arrependimento por seus crimes. Mesmo sabendo que isso nunca acontece.”.
E prossegue mais adiante: “Dentro de alguns dias entrego um laudo ao juiz. Que vai juntá-lo ao de um psicólogo. Ambos servirão para determinar o seu destino. No meu lado vai estar escrito que você representa uma ameaça à usa companheira, ao seu filho e à sociedade. Que você é um pedófilo desgraçado que pratica incesto. Uma aberração. Mas tudo dito de maneira civilizada. Baseado em depoimentos, fatos, provas. Como se não houvesse dentro de mim uma besta capaz de morder. Eu mordo. Forte. Se eu pudesse dizer o que penso, diria aos seus algozes na cadeia para não matar você logo. Pediria que o mantivessem vivo, sendo humilhado, estuprado por um, por dois, por dez homens, apanhando até ficar roxo. Só não quero que você morra. É tão pouco.“.
                Não é à toa que ela se chama Beatriz: aquela que faz ou procura fazer os outros felizes; que a psicóloga se chama Clarice: a que brilha, a que traz luz e que a filha Laura é aquela que se deixa dominar por sentimentos contrários, que se preocupa com a opinião dos outros.
A narrativa tem palavras de fácil compreensão, dispensa dicionários. O dicionário não é o instrumento para mensurar a escrita. O conteúdo pesado necessita de balança.

                Sou fã da escrita de Cinthia Kriemler, entretanto esta leitura não é recomendada após as refeições tampouco antes de dormir.

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