05 agosto 2010

História para giz no quadro-negro



Foi uma enorme alegria rever o passado na forma dos amigos da escola. No sábado meu coração foi bombardeado por quase cem abraços de saudades!
Em vez de escrever uma crônica lembrando o dia ou histórias da nossa convivência no Porto Seguro, fui mais longe um pouquinho para relembrar que o que nos une não foi apenas o convívio.
Gostaria de anotar a história com um pedaço de giz no quadro negro de uma sala de aula do colégio.


No início do século XX a Europa estava em ebulição com guerras para todos os lados. No início da Primeira Grande Guerra a minha avó, Elly Steinert, uma jovem fazendeira, teve que sair do campo para se apresentar em Berlin para prestar serviços comunitários como enfermeira. Por outro lado, Franz Skaliks, o noivo, um jovem artista plástico, também fazendeiro de Tilsit, teve que se alistar no exército. Vestiu o uniforme e foi para a frente de batalha. Em apenas uma semana foi preso pelos russos e deportado para a Sibéria. Lá, naquele país de língua estranha, o burguês, passou fome e frio. Conseguiu fugir na quinta tentativa, porém o trem, que era o único meio de transporte para sair de lá, era muito vigiado e por isso só conseguiu retornar à Prússia Oriental dois anos depois de terminada a guerra. Casou-se com a noiva esperançosa que ainda o aguardava apesar de nunca terem trocado uma única correspondência no período.
Com a Alemanha derrotada, fragilizada e humilhada, os franceses e belgas a invadiram pelo centro-oeste. Poloneses tomaram um naco do leste. E os russos invadiram o país ao norte justo onde eram as fazendas dos recém-casados.
A guerra, as invasões, o confisco de imóveis e terras, a falta de liberdade, a hiperinflação e o desemprego criaram um clima de ceticismo, incerteza, insegurança e terror na Alemanha.
Por outro lado o Brasil procurava mão-de-obra barata e qualificada para todos os setores do campo e da cidade. Propagandeava boas condições de trabalho, segurança, paz, liberdade e clima ameno, provocando e estimulando ousadias e aventuras ao desconhecido.
Em 1923, com os russos nos calcanhares, o jovem casal fugiu de Tilsit, vizinha a Königsberg, hoje Kalinigrado, para Hamburgo com a intenção de pegar um navio para a América do Sul.
É curioso lembrar que a mãe de um colega da foto de 1958 do Kindergarten (jardim de infância), Hans Jürgen Ludwig, veio da mesma cidade na mesma época.
Na fuga e insegurança, meus avós, por amor, embarcaram deixando o filhinho de dois anos de idade para trás.
No mesmo navio, Antonio Delfino, havia outro alemão, Walther Jank, avô de outra colega da mesma foto. Nem sei se ela, Renata Richter, conhece essa história.
Meus avós maternos quando chegaram a São Paulo ficaram na hospedaria Floresta, no Largo São Francisco que era dos bisavós de John Willis Mc Quade e Roberto Klotz ambos presentes na mesma foto de 58.
Dois anos mais tarde uma outra imigrante, Lyta Scherwitz trouxe o filho de volta da Alemanha, para junto dos pais. Essa mulher era parente de outros colegas da foto do quinto ano primário: Cláudia e Ingeborg Caspari.
Contei essa pequena história apenas para ilustrar que nós, que nos reunimos no sábado, depois de 40 anos de formados, não somos apenas colegas de colégio. Somos muito mais do que isso. Somos uma grande família com passado e origens semelhantes que se entrelaçaram durante décadas. Nós somos descendentes dos imigrantes que vieram até pouco antes da Segunda Guerra por isso temos histórias e origens comuns. Nossos antepassados se uniram para se fortalecer diante do desconhecido.
Nossos pais conheceram, freqüentaram, estudaram, trabalharam ou se divertiram em lugares como o Esporte Clube Germânia, o Deutscher Segel-Club e a Olinda Schule. Respectivamente Clubes Pinheiros, Iate Clube Santo Amaro e Colégio Visconde de Porto Seguro.
Moro em Brasília desde 72, desde então perdi o convívio com parentes e amigos de São Paulo. No período descobri que a distância afasta para sempre pessoas com as quais não temos afinidade ou laços mais fortes. É muito gratificante voltar a São Paulo e sentir no coração que, mesmo depois de tanto tempo, ainda guardamos tantos amigos como uma grande família.



De pé
1 – Horst Hübbe, 2 – , 3 – Carlos Guilherme Soares dos Reis, 4 – Eric, 5 – Theodomiro Pacheco Rosenstock, 6 - , 7 - , 8 - , 9 – Kurt Dreyer, 10 – Holguer Stade, 11 – Luis London, 12 – Heinrich Kiep, 13 – John Willis McQuade, 14 - , 15 – Karin Frei, 16 – Lia Rosa Wenda, 17 – Dana Modercin, 18 – Eduardo Utescher, 19 – Sonia Gehre, 20 – Alex Welther, 21 – Ricardo Schiesser,
Sentados no banco
22 – Ingo Hoffman, 23 – Jorge Gjurekowick, 24 – João José Eder, 25 – Roberto Klotz, 26 – Fernando de Castro Freund, 27 – Walter Scharlitz, 28 – Cláudio Lothar Fatio, 29 – Francisco, 30 – Monica Selma Flues, 31 – Stephanie Pfeifer, 32 - , 33 – Renate Polisaitis, 34 - , 35 – Ruth da Silva Löwenstein, 36 – Irene Müller, 37 - , 38 – Lisa Öerberg, 39 – Maria Luzia Celeste Rodrigues, 40 - , 41 – Lia Pereira da Silva, 42 – Vera Helena Frucci, 43 – Monica Woserow, 44 – Lílian Kunze, 45 – Ricardo, 46 – Henrique
Sentados no chão
47 – Ian Peter Searby, 48 – Marcelo Villares, 49 - , 50 - , 51 – Ricardo Villares
52 – André Cláudio Bürgui, 53 - , 54 – Heidi Hause, 55 - , 56 – Hans Jürgen Ludwig, 57 – Horst Witmaack, 58 – Silvia Ferreira de Oliveira, 59 – Vivian Dreifuss, 60 – Renata Richter, 61 – Vivian Nipper, 62 – Ana Maria Stickel, 63 – Erica Vogt, 64 – Cristina Andrea Eloed, 65 - , 66 – Verena Magalhães Erismann, 67 – Maria Monica Nico, 68 – Vera Lúcia Capello

Professora Nilse à esquerda e Tante Waltraut à direita.

8 comentários:

Klotz disse...

Querido amigo escritor

Li a crônica que você postou no seu blog a respeito dos vínculos mais profundos que nos unem, além da convivência no Porto.
Quantas raízes profundas temos. Eu sempre pensei nisso. Nos vínculos mais profundos, e que, infelizmente, estão se perdendo com a globalização. Um lado bom e um ruim. Atualmente não se criam “raízes” assim. Somos afortunados.
Meus avós paternos vieram para o Brasil após a primeira guerra mundial. Nunca fui atrás de como (em que navio) e nem de onde ficaram. O porquê é fácil de explicar. A crise na Alemanha. Coisas perdidas da minha história.
Por parte da minha mãe eu nem sei como vieram param por aqui. Só sei que meu avô materno era um parernte afastado de Victor Hugo. Minha bisavó materna veio da Itália, da região do Veneto, só com o primogenito, que faleceu aqui no Brasil há alguns anos e com quem não mantínhamos contato, e foi trabalhar com o marido numa fazenda de café pertencente aos Pereira de Almeida (família quatrocentona), perto de Santa Rita do Passa Quatro. Meu bisavô morreu num acidente na fazenda e minha bisavó foi ser empregada na casa dos proprietários. Eram colonos na fazenda.
Não é muito pouco perto de todas suas informações familiares? Mas isso não importa, certo?
O que é mais importante é: não perdemos nossas raízes, nossa família, nossos “irmãos Porto-segurenses” nem nosso carinho fraterno.
Um grande abraço
Monica Woserow

Klotz disse...

Olá Roberto,

Parabéns pelo blog e pela linda crônica sobre "nós" os imigrantes.
Meus avós vieram em 34. Meu pai, precoce para seus 12 anos, falou "demais" na escola,adivinhe contra quem? e eles tiveram que se "ausentar" até as coisas se acalmarem e como tinham dois filhos homens (ainda meninos) temiam pelo futuro de ambos.
Eram de Kassel onde possuiam uma loja de departamentos.Perderam tudo,claro.E nunca mais retornaram.
Gostei muito da foto do Jardim de 58 onde pude reconhecer vários colegas que posteriormente estudaram na minha classe,inclusive você.Comecei o Jardim em 59.
Segue abaixo em e-mail de 2007 enviado pelo Francisco Frauendorf com a foto e alguns nomes da turma de 1959.
Espero que você tambem reconheça alguns colegas.

Um grande abraço

Cecilia Lieberg Vianna

Klotz disse...

Mônica,
Que bacana que você visitou meu texto e aproveitou para fazer também uma viagem aos seus antepassados. Acho muito saudável saber de onde viemos e conhecer a história por menor que seja.
Adorei rever e abraçar você no nosso encontro.
Beijo,
Klotz

Klotz disse...

Obrigado, Cecília.

Fiquei muito feliz de receber notícias suas depis de tanto tempo. Que legal!
Apesar da provocação, jamais imaginei que o texto provocaria uma reflexão sobre os nossos. antepassados.

Vi a foto que você enviou do jardim de 1959. Apesar dos nomes anotados pelo Chico, reconheci muito poucos.
Abração.

Klotz disse...

Querido Klotz!
Agradeço sua mensagem!
Fiquei comovido com a história, a qual não conhecia nesses detalhes. Que fantástico!
Vou distribuir a todos os nossos colegas. Como há uma limitação no número de endereços por mensagem, Você receberá algo em torno de 5 mensagens iguais, pois quero colocar Você no distribuidor aberto, para receber respostas.
Abraço,
Gunther Brunckhorst

Klotz disse...

Eu é que agradeço a sua iniciativa de reunir toda a turma. Você, Lia, Burgi e London foram incansáveis. O esforço e dedicação ao projeto resultaram num sucesso enorme.
É muito bom sermos amigos há 52 anos.

Xixa disse...

Klotz e patota portosegurense: apesar de morar fora do Brasil há 20 anos, cada vez que retorno e encontro amigos como vocês, parece que voltei no tempo. Ou será que a gente está tão em sintonia que o fato de sentirmos como se tivéssemos estado juntos ontem é comum entre pessoas que tem as mesmas raízes? De qualquer forma, mais uma vez fica provado que o melhor que levamos desta vida são as boas amizades! Abração do Xixa

Natasha Utescher disse...

Prezado Roberto,

Por coincidência entrei em seu blog e me deparei com a foto de infância da sua sala do colégio e nela notei que meu pai, Eduardo Utescher, está presente.
Foi muito bom vê-la, por isso gostaria de lhe agradecer! E, se possível, pedir-lhe que me envie outras por e-mail (natashaut@gmail.com) para que eu possa guardar de recordação e também mostrar para meus avós.

Abraços,

Natasha Utescher.

 
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