15 setembro 2010

De repente, outra língua



“Britânica passa a falar com pronúncia francesa depois de uma série crise de enxaqueca. Kay Russel conta como foi se descobrir com a chamada síndrome do sotaque estrangeiro. Doença é uma desordem neurológica que provoca alterações na fala.” CB – saúde 14/09/2010


De médico e louco cada um tem um pouco. James, o cabeludo, de doutor e doido, tem tudo.
Nosso protagonista folheava a revista Science na biblioteca do Instituto Moscovita de Línguas, em Londres, enquanto aguardava o sinal tocar para se dirigir à sala de aula. Era aluno em aulas de russo. Estava insatisfeito com a vida, com a profissão de psiquiatra. Pensava em morar em outros países. Foi aí que, leu o artigo curioso onde uma mulher durante a segunda guerra, sob bombardeio, teve uma lesão cerebral e subitamente passou a falar norueguês com sotaque alemão.
Eureka! Gritou comprometendo o silêncio bibliotecário. Eureca significa descobrir, em grego. James descobriu a sua felicidade. Decidiu ser especialista em distúrbios psicoterápicos ligados à síndrome do sotaque estrangeiro.
Mudou-se para Newcastle uma cidade medieval a 280 milhas ao norte. Estudou com afinco e depois de pouco tempo pendurou orgulhosamente o diploma na parede de um consultório em Nova Iorque.
Rapidamente descobriu que o elevador não parava no seu andar. O elevador funcionava, mas nenhum paciente descia naquele andar. Apenas 100 casos foram reportados na literatura científica.
O que fazer?
Não adiantaria publicar anúncios no jornal para aumentar a clientela. Mais pessoas precisariam ser acometidos do mal da fala. Resolveu agir.
Conseguiu uma licença especial para trabalhar num centro de pesquisas hospitalares.
James oferecia líquidos brilhantes aos pacientes esquizofrênicos, injetava substâncias radioativas em diabéticos, ministrava choques elétricos em cardíacos. Fazia cócegas em quem apresentasse o transtorno obsessivo compulsivo. Os resultados, porém, só começaram a aparecer quando começou a praticar cirurgias cerebrais. Especificamente na parte inferior do córtex somatosensorial, aquele situado entre córtex motorial e o córtex associativo. Encontrou uma pequena saliência semelhante a uma pinta, um botão. Este ponto, ao ser pressionado, ligava o paciente em outros idiomas.
O primeiro foi um nova-iorquino branquelo. Sofria de dificuldade de expressão no âmbito interpessoal. Ao ter o botão acionado continuou tímido e lento, mas cantou um reggae em jamaicano legítimo mesmo sem fumar nada diferente.
Outra cobaia foi um baiano perdido na América. Antes da operação chamou o médico de meu rei. Após a intervenção chamou-o Maradona. O sotaque era argentino.
Praticou muitas cirurgias. O número de casos com a síndrome do sotaque estrangeiro explodiu. Começou a ter pacientes na fila de espera do consultório.
O resultado cirúrgico mais inesperado foi com uma texana. Para o espanto de todos, após o botão apertado, a mulher ficou silenciosa. Mas gesticulava muito. Passou a falar a linguagem dos mudos. Em vietnamita!



Texto não publicado no Correio Braziliense. Nem na Folha, no Globo, no Estado ou Zero Hora.

Este é o sexto conto semanal dentro do projeto Minha versão, com tema originado por notícia do Correio Braziliense. Breve enviarei os textos aos editores para avaliar a data do meu ingresso remunerado em uma redação. O colunista esperto sabe que o diagramador tem ordens de guilhotinar textos maiores que a coluna. O texto, de 2959 caracteres, no mínimo, e 2997, no máximo, sempre estará disponível antes das 18h das quartas-feiras.

4 comentários:

Glauber Vieira disse...

Rapaz, se a moda pega... Muito bom o texto! Já tinha lido essa notícia no Correio Braziliense e achei muito interessante.

Klotz disse...

Obrigado!
Meus leitores não costumam comentar.

デコログ disse...

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Klotz disse...

Parece que tenho um leitor (ou leitora) acometida pelo mal do sotaque estrangeiro.

 
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