08 setembro 2010

O veado chinês e o pangaré brasileiro


"Um veado na China está viciado em cerveja. O animal, que vive em um resort em Weihai, na província chinesa de Shandong, começou a beber quando Zhagn Xiangxi, uma das garçonetes do hotel começou a servir-lhe cerveja. De acordo com o Daily Telegraph, ao limpar o restaurante, Zhang achou uma garrafa cheia de cerveja e a serviu ao bicho, que bebeu tudo. Desde então, ela tem servido a bebida ao animal, que agora se alimenta diariamente com duas garrafas da bebida." CB – Você sabia... 06/09/2010

Severino pensou em Troque Totroque, quando viu as imagens na televisão de um veado tomando uma cerveja, de golada, diretamente do gargalo sem desperdiçar uma gota e que ao final, lambeu os beiços como se fosse um guardanapo.
Troque Trotoque era um pangaré que puxara carroças por toda uma vida. Tudo o que sabia aprendera nas ruas. Agora estava velho. Fora aposentado depois que começou a mancar por ter se cortado ao pisar numa lâmina afiada.
Somente um observador, como Severino, perceberia que o cavalo ora mancava com a pata dianteira esquerda e hora com pata dianteira direita. Apesar da pouca cultura, Severino achava que Troque deve ter pertencido à troupe da companhia do Teatro Brasileiro de Comédia, do Paulo Autran, Adolfo Celi e Tônia Carrero. Era um ator de primeira linha.
Severino se dizia proprietário de um quiosque de alimentos e bebidas para transeuntes. Popularmente o barraco do infeliz era chamado de copo sujo. Vendia pastéis fora do prazo de validade, pães de queijo empedrados, cachaça sem rótulo e cerveja morna. Tudo empoeirado.
Por destino, ambos conviviam no mesmo espaço. Troque, depois que ganhara a liberdade, mastigava o mato seco e o lixo da vizinhança e opinava sinceramente sobre a qualidade do futebol praticado no campinho esburacado estercando sob a trave. O problema é que a qualidade duvidosa das refeições provocava muita sede e a coloração escura da água do córrego não era muito convidativa.
A única forma de beber alguma coisa era se apresentar na parada de ônibus. Fazia embaixadas com uma bola de meia, cuspia fogo ou mostrava a pata ensangüentada para esmolar uns trocados. Trocava tudo por uma cerveja no boteco do Severino.
Quando estava muito cansado de se exibir nas paradas de ônibus reunia-se aos colegas aposentados e jogava damas em uma das mesas metálicas do boteco do Severino. Por ser esperto com as pedras sempre ganhava o suficiente para pagar a própria bebida.
Depois do noticiário, Severino contou ao amigo panga o que tinha visto na tevê. Troque, que já tinha tomado quatro cervejas, irritou-se muito com a comparação. Em tom provocativo, lembrou que jamais bebeu um copo por conta da casa. Nem uma branquinha sequer. Que nunca, mas nunca mesmo, pendurou qualquer conta. Que era freguês que merecia respeito pela assiduidade e comportamento ilibado. Meteu um coice na placa do FIADO SÓ AMANHÃ. Puxando da faca, completou dizendo que poderia ser chamado de fedido, de maltrapilho, de sujo. Até pinguço. Mas veado, jamais.



Texto não publicado no Correio Braziliense. Nem na Folha, no Globo, no Estado ou Zero Hora.

Este é o quinto conto semanal dentro do projeto Minha versão, com tema originado por notícia do Correio Braziliense. Breve enviarei os textos aos editores para avaliar a data do meu ingresso remunerado na redação. O colunista esperto sabe que o diagramador tem ordens de guilhotinar textos maiores que a coluna. O texto, de 2959 caracteres, no mínimo, e 2997, no máximo, sempre estará disponível antes das 18h das quartas-feiras.

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