19 janeiro 2011

Número na cabeça



Na Estrutural, uma das cidades mais carentes do Distrito Federal, a inspiração dos jovens ao mudar o visual passa longe das celebridades dos campos e palcos. Agora, os pedidos mais comuns nas barbearias da região são artigos do Código Penal, números que representam a incredulidade – como o 666 –, além de listras que servem para identificá-los como integrantes de determinados grupos criminosos. CB – Comportamento – 16/01/2011



Por volta das seis horas da tarde de uma quarta-feira, a viatura encostou no meio-fio ainda com as luzes piscando e a sirene ligada. Parece que encontraram o grupo que constrange e ameaça com apologia ao crime. São facilmente identificados pelo corte de cabelo curtíssimo formando desenhos tribais. Os agentes saltaram empunhando armas e ordenando que os rapazes, que corriam na calçada, levantassem as mãos.
– Quietos aí. Não se movam! De costas! Encostem na parede! Mãos pra cima!
– É para não se mover ou levantar as mãos?
Sob a ameaça da arma de um dos policiais, os outros dois começaram a revistar os quatro elementos imobilizados.
– Documentos! – Gritou o homem com a ponto 40 destravada apontando o meliante mais próximo.
Habituado á falta de gentileza, o garoto de pele parda estava mais calmo que os agentes. – Posso botar a mão no bolso para pegar o documento?
Sem responder o policial consentiu gesticulando com arma.
O agente de polícia observa a cabeça raspada em recortes imitando as tatuagens agressivas e assustadoras.
– O que é isso na sua cabeça?
– É a nova moda.
– O que significa esse 666?
– Besta.
O policial dá um safanão na boca do delinquente. – Me respeita!
– 666 é o número do apocalipse. Da Besta.
– E tu? – Cutucando com a pistola – Pensa que me assusta com esse 148 recortado no cabeção? Tô sacando! Código Penal, Artigo 148: Sequestro e cárcere privado.
– Que é isso seu guarda, tá me estranhando? Sou da paz. Eu moro naquela casa, aí da frente. Pode olhar: número 148.
– E tu? – Cutucando o terceiro – Exibindo terror para cima da comunidade? Tô de olho! 155 de um lado e 121 do outro. Não nasci ontem. Furto e homicídio.
– Sou sangue bom! Trabalhador. Dou um duro danado para sustentar a minha lôra. Tenho que levantar às 4 da matina, preparar a matula e pegar o busão às 4 e meia. 155 é o número da linha na ida. Na volta pego o 121. Tudo lotado.
O quarto elemento nem se mexia, parecia mais assustado.
– Tira o capacete!
– Que diabos de números são esses? 4348? Se reponder cavalo e elefante, vai levar um catiripapo no pé do escutador, só para ficar esperto.
– Pega leve. Sou motobói. Entrego pizzas.
– Agora só falta me dizer que a pizzaria tem 4.348 opções. – Ou vai me dizer que 4348 é o número da pizza calabresa tamanho grande?
– Eu estava dizendo que sou entregador de telepizza e esse é o número do telefone.
– 4348? Tá gozando com a minha cara?
– São quatro 3 e quatro 8. 3333-8888.
Os homens uniformizados se entreolharam e o que parecia ser o chefe da operação ordenou:
– Três três um. Todos presos por desacato à autoridade.
Outro conto baseado em notícia publicada no Correio Braziliense desta semana.

3 comentários:

Glauber Vieira disse...

rsrsrs, achei que os policiais ligariam pra pizzaria, pra confirmar se o número estava certo.

Percebo que deu uma pesquisadinha pra escrever: a pistola ponto 40 é exatamente a arma utilizada pela maioria dos policiais civis de Brasília.

Giovani Iemini disse...

hehehe, bacana.

Klotz disse...

Thank's.
Naturalmente, que pesquisei. Tampouco sabia os artigos do Código Penal.
Eu sabia apenas o número da pizzaria.

 
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