23 novembro 2012

Ainda quero almoçar com Veríssimo muitos domingos


Fui dormir triste e acordei ainda triste. O noticiário noturno informou que Luis Fernando Verissimo está internado em estado grave. Suspeita-se que virose alimentar tenha provocado infecção generalizada.

Alguém desconhece Verissimo?

Para ajudar quem é de outro planeta, ele disse, por exemplo, que “Só acredito naquilo que posso tocar. Não acredito, por exemplo, em Luiza Brunet.” E também escreveu O Analista de Bagé, Comédias da Vida Privada, As mentiras que os homens contam.

Nas imagens sempre o vemos com uma camisa social clara, às vezes com um paletó. O rosto redondo, as sobrancelhas espessas e ligeiramente caídas nas laterais, os óculos de aros transparentes, a testa grande, a fala pausada e gestos comedidos nos remetem a um tio querido. Uma pessoa que gostaríamos de ter à mesa nos almoços domingueiros.

Como sempre numa churrascaria.

Ele se serviria da salada. Regaria com azeite (do bom), salpicaria um pouco de sal, moeria uma pimenta-do-reino para temperar alguma reflexão. Ficaria em silêncio até o minuto anterior ao gole na taça do tinto seco.

– Saúde! –- Num olhar cúmplice para a esposa.

Depois do brinde voltaria ao silêncio ou às palavras discretas, inaudíveis aos comensais mais afastados da ponta.

Talvez fizesse alguma observação sobre comida antes essencial e agora proibida por organizações médicas. Talvez comentasse uma letra de Lupicínio. Só falaria de futebol se nenhum colorado tivesse sido convocado para a seleção. De Charlie Parker reverenciaria os improvisos. Jamais faria piadas ou trocadilhos, somente observações originais.

Fiel à família, vai à churrascaria pela companhia. O médico o proibiu as carnes vermelhas.

É comedido na hora de servir do bufê. Gosta dos tomates cereja, mas evita as frases longas. Repele as cacofonias e se serve de dois talos de aspargos. Rejeita a cumbuca de lugares comuns, torce o nariz para a travessa de ideias clichê e escolhe três cogumelos cozidos, uma colherada de ervilhas e num único momento se permite ao óbvio: dois pedaços de frango grelhado. Por cima de tudo, uma generosa colherada de bom humor.

Já sentado com o guardanapo no colo, mastiga devagar. Os olhinhos pequenos se movem com rapidez. Enxergam tudo. Observam o desenho da mancha da toalha da mesa, leem a marca do teclado do músico cego, apreciam a transparência do vestido da mulher que passa em frente da porta aberta. Enquanto isso as orelhas são grandes antenas que captam o chiado da carne assada, escutam cochichos à mesa vizinha e ouvem um natureba contar até 32 enquanto mastiga.

Tudo isso pode virar uma crônica. Ou não. Assim como o psicanalista não analisa todas as conversas de que participa, o escritor não escreve tudo o que acontece à sua volta.

O almoço só termina com a sobremesa. Diabético que é, rejeita o pudim de leite, o queijo com goiabada e a ambrosia. Nem pensa duas vezes, vai direto no prato com fechamento inusitado..

Fique bom logo, querido mestre, ainda quero almoçar com você muitos domingos.


7 comentários:

Klotz disse...

Simone Pedersen - O Roberto Klotz disse tudo, e disse muito bem.

Rogéria Nicoletti - Sou fã!!!!!
Marcos Ferraz - este cara é fantástico...
Simone Pedersen - não podemos perdê-lo. Ele tem muito ainda que viver e produzir. Um grande formador de opiniões.
Cinthia Kriemler compartilhou o texto - Belo texto de Roberto Klotz

Cristiane Bernardes - todos nós queremos!
Rosalva Nunes Verdade, nāo quero um Brasil ainda mais pobre!
Caetano Ferreira - Excelente!

Klotz disse...

Cinthia Kriemler - Roberto Klotz é um grande e sensível cronista
Roberto Klotz - O Facebook nos permite compartilhar tristezas e alegrias.
Giovani Iemini, Denise Andressa Gonsalez Santos, Henrique Inácio, Cristiane Bernardes, Deborah Achcar : curtiram

Klotz disse...

Nathalie Bernardo da Câmara compartilhou o texto - Um texto bem escrito e com conteúdo merece ser lido...
Alyne Araujo, Humberto Carniceiro compartilharam o texto
Acasa Escola de Humanidades, Alex Schmitz Du Mont, Sara Reis, Beatriz Fragomeni, Filipe rangel Celeti, Vera F. Malta, Paulinho dhi Andrade, Nathalie Bernardo da Câmara, Simone Pedersen, Cesar Fittipaldi, Jairo Alt, Cintia Xavier de Albuquerque curtiram isso.

Klotz disse...

Cezar Fittipaldi - Veríssimo é grande e todos os pensamentos positivos estão voltados para sua pronta recuperação. Quero desfrutar de seu imenso talento por muito tempo ainda.....
Zulmar Lopes - Que maravilha de crônica, meu amigo.
Cíntia Xavier de Albuquerque - Viva Veríssimo! Viva Roberto Klotz!
Simone Pedersen - Roberto Klotz perfeito!
Sara Reis - show!!!
Sara Reis - adoro os textos dos dois, Klotz e Luiz Fernando.
Alex Schmitz Du Mont - Nosso irreverente Woody Allen da escrita e do som ...melhoras Veríssimas.
Fafá Aversa Franco - Linda crônica, valeu!!!!!!!!!
Humberto Carniceiro - singelo

Klotz disse...

Alice Taunay - Ele vai superar sim. Logo vocês estarão almoçando.

Angela Ottoni Delgado disse...

Também estou na torcida pela recuperação desse escritor maravilhoso. Postei no meu blog (www.bisous-angela.blogspot.com)uma homenagem a ele, e achei ótima a sua crônica.

Klotz disse...

Obrigado, Ângela.

Comecei a copiar/colar os comentários do Facebook mas chegou um momento em que eu precisaria de uma manhã inteira só para o trabalho. achei que já estava de bom tamanho.

 
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