30 setembro 2013

Boca do inferno

Boca do Inferno

Ana Miranda
336 páginas
Companhia das letras
40 jimbos

Ultimamente quando termino a leitura de um livro procuro escrever a minha percepção.
O Boca do Inferno da Ana Miranda é leitura obrigatória para os vestibulandos já a algum tempo, por isso tive curiosidade para conhecer o conteúdo , mas sempre acabei por escolher do mesmo  - aquilo que efetivamente  já sei, de antemão, que gosto. É nessas horas que eu me alegro de participar de um grupo de leitura onde os livros são indicados pelos participantes.
Eu, francamente não tinha a menor ideia do que iria encontrar pela frente, ao contrário de um amigo, que quando comentei a minha leitura e ele imediatamente lembrou  que deveria ser sobre o Gregório de Matos, que conforme aprendera nas aulas de literatura, era o apelido do poeta.
De fato é a biografia ficcionada do poeta ambientada em Salvador no século XVII.  A história é resultado de profunda pesquisa e por isso mescla momentos de história e costumes do Brasil colônia. Resgata a história de um advogado e poeta que satiriza e acusa em versos o cruel governador que tem como prótese um braço de prata. A história revela intrigas de corrupção, vingança e poder eclodidas a partir do assassinato do alcaide-mor. Os acusados e perseguido são a família Ravasco que tem um membro para lá de conhecido na literatura: Padre Antônio Vieira.
A leitura não flui por recuperar muito vocabulário de época, obrigando-nos a tentar adivinhar o sentido de muitas palavras. Tive má vontade até a trigésima página quando resolvi assinalar os arcadismos e criar uma espécie de glossário particular. Também foi o momento em que resolvi desligar o celular, tirar o relógio do pulso e entrar numa carroça para viajar no tempo. Então procurei assimilar os cheiros e mastigar os sabores da história. Concluí que os personagens, os cenários e o entrelaçamento da biografia com a História são incríveis.
Apesar de todos os merecidos elogios, confesso que, para mim a leitura foi dificultosa até o final e precisei de vontade férrea para concluir a tempo de discutir o livro no clube de leitura.
Tenho orgulho de ter conhecido e conversado longamente com a autora em 2007. O trabalho, premiado com um Jabuti, realmente é digno de ser considerado um dos cem melhores romances da língua portuguesa do século XX.
Se você é persistente, goste de ler e de história este é um livro que vai acrescentar muito ao seu prazer e conhecimento.

Palavras de Boca do inferno de Ana Miranda - 5.a edição
açucena
61
Planta ornamental - flor
adufa
75
Anteparo externo das janelas, feito de ripas que não se tocam
agoin

Tribo da Costa do Ouro , África, de onde vieram muitos escravos para a Bahia. Os homens eram considerados exímios pescadores e mulheres perfeitas cozinheiras e muito bonitas com a cor de azeitona.
albarda
104
Sela rústica para bestas de carga
alcouce
33
bordel
aldraba
92
Tranca ou tranqueta de porta, janela, etc; Argola ou maça de metal com que se bate às portas para que abram; batente.
alimária
95
Animal, sobretudo quadrúpede.
almotacé
85
oficial municipal encarregado da fiscalização das medidas e dos pesos e da taxação dos preços dos alimentos
alpujarras
77
Pessoa vinda de Alpujarras, na Andalucía, sul da Espanha.
antífona
270
Versículo cantado pelo celebrante, antes e depois dum salmo.
arcabuz
259
Espécie de bacamarte
asnaval
55

bandurrilha
317
Cara de bandurrilha
bergantim
240
Embarcação movida à vela e a remos.
borzeguim
61
Botina cujo cano se fecha com cordões
cabriloé
89
Carruagem de 2 rodas e capota móvel, puxada por 1 cavalo.
cachaporra
41
Objeto utilizado como arma; clava; tacape; pau de bater; cacete.
calhau
317
Fragmento de rocha dura maior que o seixo.
canaz
76
canaz é uma flexão de cão: Indivíduo de extrema força e raça.
carafa
66
Tipo de taquara fina.
catano
42
ca.ta.na é uma Pequena espada curva. Catano???
caterva
41
corja
charrua
89
Arado grande, de ferro.
chularia
296
Falar de chularias – falar palavrões
cilício
102
Cinto ou cordão de lã áspera, us. sobre a pele como penitência.
corsário
64
Não sou pirata, sou corsário. Corsário: Navio, ou homem que faz o corso. Corso: Ataque ao tráfego comercial do inimigo, realizado por navio de guerra ou navio mercante armado.
credência
75
Algum tipo de móvel de madeira.
culatrina
42
Cu. culatra:1. O fundo do cano de arma de fogo.
2. A parte posterior do canhão.
donaire
86
Gentileza, garbo.
embiocada
33
Donzela embiocada
embuço
91
Parte da capa ou do manto com que se pode cobrir a face. 
endechas
270
Poesia triste
enxovia
53
Cárcere térreo ou subterrâneo, escuro, úmido e sujo.
escanção
189
O que reparte vinho entre os convivas.
fanchono
229
 homem que procura prazeres nos indivíduos do próprio sexo
ferrão
42
O mesmo que aguilhão: 1. A ponta de ferro da aguilhada; ferrão.
2. Ponta aguçada; bico.
figurilha
317
1 Pequena figura. 2. Bigorrilha. 3 Fraca-figura....
fodinchão
126
Fodido. Usado como superlativo para mais e para menos.  
galicado
84
atacado de sífilis; que tem doença venérea;
garraio
89
Bezerro ainda não corrido e não matreiro. Fig. Homem inexperiente, novato...
gelosia
164
Grade de tabuinhas de madeira paralelas a intervalos, que ocupa o vão duma janela.
gladio
77
Espada de 2 gumes; espada.
granacha
12
vestimenta longa, usada por monges, magistrados. Pessoa que usa a granacha.
guadunhas
317

guedelha
91
Cabelo desgrenhado e longo.
jimbo
260
Dinheiro e, primitivamente um marisco com valor de moeda entre os negros
labrego
91
Diz-se de, ou indivíduo rude, grosseiro.
lambaz do ralo
268
Lambedor de onde sai a água de esgoto
lava-rabos
42
puxa-sacos no sentido figurado
léria
102
mentiras, palavras vazias; ato sem fundamento
madraço
96
O mesmo que mandrião; preguiçoso, vadio, malandro.
magano
227
Diz-se de, ou indivíduo jovial, engraçado.
mariola
37
Malandro, velhaco. Aqui entre nós é um doce em tabletes, feito de banana ou goiaba
marrano
202
se refere aos judeus convertidos ao cristianismo dos reinos cristãos da Península Ibérica
mazombo
227
tristonho; taciturno; sorumbático;
mofina
102
Mulher desditosa, infeliz; Mulher acanhada, tacanhaAvareza, mesquinhez. Artigo anônimo difamatório. Mulher indesejada. (não é prostituta, trata-se de aspecto físico e/ou de conteúdo) Infeliz, desgraçado; Avarento, sovina; Doentio, enfermiço.
néscio
33
Que não sabe; ignorante, estúpido, incapaz, inepto
odre
80
Saco feito de pele, para transportar líquidos. Cantil.
palangana
120
Tabuleiro onde são levados os assados à mesa.
palanquim
226
Espécie de liteira
paludismo
215
malária
pantomima
126
Mímica; Peça em que o(s) ator(es) se manifesta(m) só por gestos, expressões corporais ou fisionômicas; mímica.
pantufo
126
Homem gordo e barrigudo.
parlenda
127
Conjunto de rimas infantis, de caráter lúdico e ritmo fácil, Ex.: Um, dois, feijão com arroz. Três quatro, feijão no prato. Cinco, seis, é minha vez. Sete, oito, de comer biscoito. Nove, dez, ou de comer pastéis.
pasguate
38
Idiota; pacóvio
patarata
229
ostentar algo de maneira ridícula ou de dizer uma mentira para alardear vantagem.
pechilingue
87
Instrumento com que o sapateiro faz os furos individualmente para cravar os pinos no calçado. Ler, pronunciando separadamente as letras. Ler mal ou com dificuldade. 
peralvilho
33
Letrados peralvilhos
poião
32
Sentou-se no poião da porta;
pucarinho
229
Pequeno vaso, diminutivo de púcaro.
pulcro
229
Excessivamente belo; em que há beleza; formoso.
radicolho
229

rascoa
64
1 Cozinheira. 2 Meretriz... (Filhos de uma rascoa)
salvajola
37
variante de "selvagem"; mariola: velhaco
sandeu
33
Idiota, parvo, tolo.
sege
37
Coche com 2 rodas e um só assento.
serpentina
31
É uma espécie de liteira simples onde num varão é pendurada uma rede que é conduzida por dois escravos. Na rede deita-se o senhor.
sicofanta
190
Pessoa mentirosa, difamadora, delatora, velhaca
sodomita
317
Relativo à cópula anal
surrão
37
Bolsa ou saco de couro bastante usada; Roupa suja e gasta.
tafularia
41
 coisa ou pessoa taful; luxo ou esmero exagerado, ger. de mau gosto - cafona
tronga
193
Não saber fazer coisas simples, ser parva, burra; Meretriz, barregan, concubina
vaganau
229
vadio, vagabundo; Mariola de carregar; Indivíduo corpulento, alambazado. Maroto, maganão. 
vedor
223
1. Que vê, inspeciona ou fiscaliza. 2. Administrador, inspetor, fiscal, intendente: vedor da casa real.
vitualhas
283
víveres
zancos
126
Pernas de pau
zotíssimo
125



Em branco as palavras não encontradas no dicionário nem Internet.

30 junho 2013

Lombinho de porco com batatas-doces


Não sou de postar no facebook o meu dia-a-dia. Ainda não aprendi a dizer bom-dia FB nem boa-noite FB, tô com soninho, vou dormir.

Hoje vou abrir uma exceção. Tomei uma dose de Seleta com estômago cheio de apetite. Isso fez a diferença.

Moro sozinho. Não tenho assalariada que me faça as vontades nem lave minhas roupas ou passe um pano no chão. Opção minha. Se bem que às vezes seria tããããão bom! Nem sempre há sobras de restaurantes na geladeira ou mesmo paladar para repetir miojo ou lasanha congelada. Acho absurdo apelar para as caixinhas chinesas ou entregadores de pizza na hora do almoço. Por isso uma vez ou outra eu sou obrigado a pilotar o fogão. Hoje foi o dia. Gosto de comer bem.

Escrevi enquanto o forno assava.

Entrei na cozinha às 11h45 para elaborar o menu. Olha aqui, olha acolá.

Coloquei um lombinho de porco do freezer para descongelar no micro-ondas. Enchi uma panela para ferver água. Descasquei quatro batatas doces e cortei em rodelas para ferver na água. Espremi uma laranja sobre o lombinho descongelado e salguei. Liguei o forno no máximo. Enquanto cozinhava a batatas e a carne tomava banho no suco de laranja aproveitei para descascar duas cebolas e o equivalente a um polegar de gengibre. Piquei as cebolas e o gengibre no processador até que ficassem como uma pasta densa.

As batatas demoram um pouquinho para cozinhar, mas não deixe esfarelar. E aí o que fazer enquanto não cozinham? É hora de abrir o apetite com um aperitivo. Se fosse de noite eu optaria por meio cauboy, como era dia optei por uma dose de Seleta. A louça implorava para ser lavada. Aleguei que eu estava ocupado tomando uma. Ela argumentou que se eu não fizesse agora teria de fazê-lo depois do almoço, naquele momento em que bate o sono dos satisfeitos. Esvaziei a bancada da louça suja e enchi o secador com louça limpa. Espetei uma batata com um garfo e julguei que estava no jeito, nem dura nem desmanchando.

Peguei o meu maior pirex – aquele de fazer a lasanha familiar – e molhei o fundo com azeite.

Derramei as batatas-doces numa giga peneira para escorrer toda a água. Fiz um leito de batatas sobre o azeite. Pousei o lombinho sobre as batatas e derramei o suco de laranja sobre ele. Com uma colher revesti a carne de cebola picada, era muita cebola. Então usei o restante para espalhar sobre as batatas-doces.

São 12h30 e coloquei a vasilha no forno. Liguei o marcador de tempo para 25 minutos. Meia hora deveria ser o suficiente, mas gosto de dar uma conferida antes da hora.

Me servi de mais meia dose de Seleta e vim para o micro escrever a receita.

Não é por nada não, mas ficou muito bom. Farei para o próximo jantar, por isso anotei a minha aventura culinária.

20 maio 2013

Aprender a rezar na Era da Técnica

Aprender a rezar na Era da Técnica


Do português Gonçalo M. Tavares

Editora Companhia das Letras

356 páginas

Paguei R$45,00

Li em 6 dias



Foi o livro mais surpreedente que li nos últimos tempos. Aborda e entrelaça com profundidade dois temas fundamentais para a humanidade: poder e morte.

Em dezenas de pequenos capítulos, que podem ser lidos quase que independentemente, há uma sequência de lições poderosas e chocanates.

O início do romance é um soco maquiavélico até para o mais liberal machista da face da terra:

“O pai agarrou nele e levou-o ao quarto de uma empregada, a mais nova e mais bonita da casa.

– Agora vais fazê-la, aqui à minha frente.

A criadita estava assustada, claro, mas o estranho é que parecia que ela estava assustada com ele, e não com o pai: era de facto de Lenz ser um adolescente que assustava a criadita e não a violência com que o pai a disponibilizava ao filho, sem qualquer pudor, sem sequer ter o cuidado de sair. O pai queria ver.”

A intenção não era a iniciação sexual do filho. Era uma aula na iniciação do poder sobre os mais fracos através do sexo.

Entre outras aulas de poder, o pai avisa que:

“– Nessa casa o medo é ilegal.”

E assim, de lição em lição, o nosso protagoniista é diplomado com louvor. Transforma-se em um homem que dispensa emoções e é destituído de sentimentos bons ou ruins, a ponto de incomodar-se com elogios ou agradecimentos. Chega a formular teorias próprias: “os homens poderosos só não matariam na rua, à frente de todos, um vagabundo, com as próprias mãos ou com uma arma, porque não queriam humilhar em público as leis do país, já que de certa maneira eram elas que, em alguns pormenores os protegiam.”

A narrativa segue num cenário que poderia ser a Alemanha no período entre-guerras. Os personagens são pouquíssimos: Lenz Buchmann – o exemplar cirurgião que troca a medicina pela vice-presidência do partido político. A fidelíssima secretária Julia Liegnitz e seu irmão surdo-mudo. Hamm Kestner – poderoso presidente do partido. Rafa, o louco e ainda Friederich Buchmann que, apesar de morto, está presente em quasse todos os atos de Lenz. Não cito a mulher e o irmão do protagonista porque este os queria apagados.

A história se desenvolve com o surgimento de uma doença e o consequente enfraquecimento do protagonista e aí surge o último personagem que é a morte.

O autor propõe reflexões sobre o comportamento humano sem preocupações de apresentar construções frasais para deleitar os estudiosos literários.

Lentamente, em pequenas lições a morte combate o poder sem pemitir negociações. Em tensão crescente o autor desenvolve o romance para várias possibilidades de fechamento e mesmo assim consegue surpreender.

De tantas reflexões, é o tipo de livro que só se fecha muito tempo depois de ser lido.

Se você tiver estômago, recomendo com entusiasmo.

 
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