Ainda no ginásio, naqueles tempos em que ainda havia ginásio, naqueles tempos em que a professora tinha autoridade, naqueles tempos em que a professora era respeitada, naqueles tempos em que bunda era palavrão, naqueles tempos em que fumávamos escondidos na escola, naqueles tempos em que todas as meninas iam de saia para a escola. Houve um dia, no último ano do ginásio, que eu me lembro de tudo como se estivesse acontecendo neste exato minuto.A professora, em pé no tablado, junto ao quadro negro, provocando contraste com seu impecável jaleco branco que cobria e protegia do pó de giz o vestido com a barra na exata altura do joelho. Sapatos escuros com salto grosso de meia altura. Penteado endurecido pelo laquê. Ruge, pó de arroz e batom discreto compunham a máscara por detrás dos óculos de aros largos. No bolso do jaleco o nome bordado em letras azuis: Prof. a Leila.
Professora séria, amante do seu trabalho, exercendo sua vocação, compenetrada, sisuda, austera, responsável, rigorosa e, cá entre nós, bem feinha.
Aula de português, acentuação gráfica.
– Palavras homógrafas não homófonas são acentuadas.
– Como é? Pergunta você.
– Isso mesmo, palavras com grafias iguais e sons diferentes eram acentuadas para serem distintas umas das outras. Era o caso de rôla – pomba e rola – do verbo rolar.
– Absurdo botarem acento em boa. Nem Lisboa nem K-Boa.
– Oxítonas terminadas em a, e, o são acentuadas.
– Nem pensar em acentuar siri, urubu e tatu. – E de agora em diante, ai se eu souber de algum aluno que piche a parede mandando professora mandar tomar no cu. Que o faça sem acento. Cu definitivamente não tem acento.

2 comentários:
a leitura, alem de divertida é pura cultura. Anotei as dicas para usar no dia a dia da primeira até a ÚLTIMA...
Viu só, blog também é cultura. É impressionante, como existem pessoas preconceituosas. Um amigo é incapaz de dizer aquela palvrinha do texto. Por conta disso ela chama maracujá de marabundajá.
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