06 abril 2011

Protesto de mulheres brasilienses

Ao começar a reunião com o secretariado, o governador observou mais uma aglomeração na frente do Palácio do Buriti. Apesar do pouco tempo sentado na cabeceira da mesa, já estava vacinado contra greves, protestos e manifestações.

De dentro para fora, o vidro e a vida são azuis. De fora para dentro o vidro e a vida são negros.

A mesa é pequena para acomodar tantos secretários e o governador. A reunião começa e segue a pauta. O governador não consegue se concentrar, nota que os jardins estão apinhados de gente. Bem mais, muito mais, que do que as manifestações cotidianas.

─ Alguém tem idéia de quantos são?

Um dos secretários que estava de costas para a janela respondeu prontamente:

─ Trinta e quatro.

─ Trinta e quatro mil? Acho que são mais.

─ Não, não. Somos apenas 34 secretários.

Incomodado com a resposta alienada, foi até a janela observar melhor o tumulto.

Uma larga avenida separa os manifestantes do palácio. Além do isolamento acústico, o barulho dos ônibus e carros impedem que se ouça, de dentro do gabinete, as palavras de ordem gritadas nos jardins. O megafone também não produz o efeito desejado.

Enquanto mais gente chega de todas as direções, mulheres carregam cartazes com o número 52,19%.

Observa que todas as protestantes são mulheres. Bem vestidas e mal vestidas. De cabelo oxigenado, branco, anelado ou bem cortado. Executivas, universitárias, donas de casa, garis, aposentadas, meninas. Mais mulheres do que caberiam no Maracanã lotado.

Ainda assustado com a quantidade, voltou a questionar:

─ Estou impressionado. Quantas serão?

O mesmo alienado, sem pestanejar, respondeu que são apenas quatro secretárias: Mulher, Comunicação, Educação e Transferência de Renda.

O governador contou até dez para conter a impaciência.

─ Alguém sabe o que significam 52,19%? ─ Olhou para o secretário que respondeu 34 anteriormente, evitando outra bobagem, afirmou. ─ Sei que não é o reajuste que vocês pleiteiam. Não é a inflação, nem o reajuste dos combustíveis. Não é a taxa de desemprego, tampouco a taxa de ocupação nos presídios. Não é a taxa de aprovação dos alunos nas escolas.

O estagiário de jornalismo entrou esbaforido na sala com uma folha de papel: “Agora são 112.267 mulheres, gritando igualdade, reunidas na frente do palácio do Buriti”.

─ Meu filho, você está maluco! Você as contou uma por uma? Nunca vai ser jornalista de verdade. Toda nota deve responder as perguntas básicas: onde? o que? quem? quando? onde? como? e por que?. Eu quero saber por que protestam!

─ Elas imploram por igualdade. Sentem-se desamparadas. Querem mais homens.

─ Não entendi. Há décadas brigam por espaço. Elas sempre reclamam que os homens são maioria em todos os lugares.

─ É que de acordo com o Censo 2010, são 1.337.726 mulheres, o que corresponde a 52,18% dos residentes no DF. De onde calculei que há 112.267 mais mulheres que homens.



Este conto é resultado de um devaneio inspirado na matéria publicada no Correio Braziliense, em 03/04/2011 – “A capital da mulherada”.

Nenhum comentário:

 
Search Engine Optimisation
Search Engine Optimisation