25 abril 2007

Opostos

Um casal de amigos, Paulo e Fernanda, são opostos em tudo. A começar, naturalmente pelo sexo. Ele é alto, ela é baixa. Ele magro, ela gorda. Ele sovina, ela shopping center. Ele moreno, ela loira. Inteligência não é medida pela cor do cabelo, isto é puro preconceito. Ele é preocupado, ela é desligada. Ele pontual, ela, ih, esqueci. Ele toma rápido banho frio, ela demorado banho quente. Cá entre nós e a torcida do Flamengo, quem é que agüenta demorado banho frio? Ele enrola a pasta de dente, ela nem põe a tampa. Ele diz que tudo tem seu lugar, ela procura a lixa de unha na cozinha encontra a pulseira dourada. Ele sapato, flauta e violoncelo, ela apito, pandeiro e chinelo.
Ele jamais larga o sapato na frente da tevê. Ele só tira o sapato após desfazer o lacinho, para em seguida guardá-lo no armário. Ao lado do outro sapato da mesma cor, logo abaixo da etiqueta: sapato social. Todos os cedês têm lugar certo. Dentro de cada caixinha está o cedê anunciado na frente. A não ser que ela tenha escutado música na última hora.
E daí?
Daí, que quase todos os casais lembram Paulo e Fernanda. Alguns Fernando e Paula.
Esta descrição está parecendo clichê. Então, a melhor forma é parar com a descrição e contar dois fatos recentes ocorridos com o casal.

– Fernanda onde está agenda de telefones?
– Está no banheiro.
– Isso é lugar? O lugar da agenda é do lado do telefone.
– Justamente. O telefone está lá no banheiro.
Paulo resmungando vai até o banheiro, pega o telefone e agenda e retorna para frente da tevê. Começa a folhear à procura de um número.
– Para que horas devo chamar o Humberto e a Fátima?
– Na hora que chegarem. Chegaram.
– Isto significa antes ou depois das nove?
– Então marca aí a hora que você quiser.
– Então vou chamar para as nove.
Paulo continua a folhear a agenda. E pergunta:
– Você vai colocar que roupa?
– Depois eu vejo. Alguma que estiver passada.
– Onde está o número do Humberto? Procurei em erre de Rodrigues e não achei.Também não está no agá nem no efe.
– Procure em eme. É Maria de Fátima!
– Já olhei! Só falta no u de Humberto.
Paulo resolve procurar página por página. Ele há de encontrar o telefone.
– Mas que diabos, Fernanda! O número está no cê.
– Lógico. Carteado. Turma do carteado.
Os nomes são fictícios. Qualquer semelhança é mera coincidência. Ou você acha que eu iria colocar os verdadeiros nomes? E, por serem fictícios conto o outro fato:
O quê você pensaria se visse a toalha molhada do Paulo sobre a cama?
a) Que o Paulo acabou de tomar banho, está se vestindo, e que já já, vai pendurar a toalha;
b) Que o Paulo, afinal, não é tão inflexível e chato;
c) Que o Paulo não costuma deixar a toalha jogada em cima da cama. Larga no chão.
d) A Fernanda tomou banho e usou a toalha do Paulo. A dela está em cima da cadeira desde ontem. E, que o Paulo vai ficar furioso quando descobrir sua toalha molhada e em cima da cama. Do lado em que dorme.
Ontem liguei para a Fernanda e ela disse que a resposta certa seria outra:
e) Nenhuma das anteriores. A Fernanda tomou banho. A toalha dela está no chão do banheiro para enxugar os pés. Usou a do Paulo para se enxugar. Jogou-a em cima da cama para provocar. Enquanto passa um creme nas pernas pede que Paulo traga a camisola branca. Paulo vai se enfurecer pela enésima vez ao ver a toalha, porém ao entregar a camisola Fernanda muda o tom e a começa a massageá-la, antes de agarrá-la entusiasticamente.
Os opostos se atraem.

04 abril 2007

O primeiro pentelho branco a gente nunca esquece!

Este foi o tema que encontrei no blog da Moniquinha há muuuuuito tempo. http://monicaneves.multiply.com/
E, o início do texto, pertence a ela. Um super beijo, garota.

Ingredients: Uma pessoa conhecida veio falar da sua crise quando surgiu o seu primeiro pentelho branco. Me pediu conselho. Eu dei né! Segue abaixo.Directions:Minha sugestão:Assim que aparecer o primeiro pentelho branco tenha uma crise daquelas, memorável. Puxe os cabelos (não os pentelhos), grite, berre, diga o quanto a vida é injusta e que Deus é homem e nunca deve ter tido um pentelho branco. Pegue uma tesourinha e delete o pobre coitado. Enquanto for um pentelho só, a crise estará liberada. Quando forem muitos, minha querida, ou você assume a perereca branquinha ou trate de pintar a pobre coitada (fico com a primeira opção). Você também pode adotar o modelito máquina zero. Super moderno. E não esqueça: bom humor sempre! Envelhecendo, porém com charme!

Meu amigo Roberto Klotz, grande cronista, leu meu post sobre os pentelhos brancos. Não pode responder pq ainda não quer se cadastrar no multiply. Me mandou a resposta via e-mail, hilária.

Transcrevo na íntegra: Este é um tema cercado de muito tabu. A sociedade tem vergonha de discutir tão importante tema. Discutiram séculos sobre o divórcio, o aborto e a eutanásia. A questão dos pelos pubianos sequer entrou em pauta para discussão. Quando, e se, a discussão dos pelos pubianos ganhar foro pode ser que abram espaço para discussão da cor dos ditos cujos. Acredito sinceramente que a questão do enbranquecimento da cabeleira púbia é assunto apenas daqueles que já amadureceram na vida. As crianças não têm nenhuma preocupação quanto à cor nem credo dos pentelhos, apenas desejam ardentemente que a região pélvica seja preenchida rapidamente com pentelhos. Os adolescentes e maduros têm apenas a preocupação na reposição dos pelos devido ao desgaste natural nas relações interpubianas. O pentelho sofre muita discriminação. Muitas mulheres simplesmente podam os pentelhos, como podam seus maridos nas conversas, outras mulheres reduzem drasticamente a área cultivada deixando apenas a mata ciliar. O pentelho também é execrado e ofendido quando das relações orais. Normalmente cospem e ofendem o infeliz que se intromete na boca. A própria palavra pentelho era considerada de baixo calão até que nos últimos 20 anos um apresentador de televisão começou a fazer uso da palavra à exaustão. Pode-se até dizer que o tal apresentador é um chato, assunto próprio para pentelhos. Não querendo fugir à questão proposta, surgimento do pentelho branco, defendo intransigentemente os pentelhos brancos. Acho um absurdo a discriminação contra os pentelhos brancos. Neste mundo povoado por negros pentelhos, penso que devam ser abertos espaços para os pentelhos brancos. Deve ser instituída cota para pentelhos brancos, da mesma forma que existem cotas para os vestibulandos negros, devem existir cotas para os pentelhos brancos.

26 março 2007

Retrato em branco e preto

A definição de raça agora é sacramentada por um tribunal de pureza racial que fotografa os candidatos a vestibular na UnB – Universidade de Brasília, e define os que podem ou não ser enquadrados nas cotas dos negros. Na escola aprendi que raça era uma coisa e cor era outra.
O que me interessa é que devem ser criadas cotas também para os portadores de letra K no nome. Desde a alfabetização sofri descriminação. Tudo por causa da reforma ortográfica de 1943 que eliminou o K do nosso alfabeto. Os portadores de letra W ou Y que juntem sua turma para formalizar seu pleito. Vou cuidar apenas daquilo que me diz respeito.
Somos poucos, pleiteamos uma cota de apenas 0,5%. Negros e mulatos ficam com 40%; deficientes físicos 20%; egressos de escolas públicas: 35:%; pobres: 20%; indígenas: 15%; asiáticos: 4,5%; judeus: 3%; desafinados: 5%; macrobióticos 2%; órfãos: 1%; analfabetos 18,37%.
O nosso caso não necessitará de nenhuma comissão especial para confirmação. Dispensaremos atestado de pobreza e exame de DNA. A identidade será suficiente para provar nosso enquadramento na cota. Particularmente tenho K por parte de pai e de mãe.
Feliz mesmo vai ser um amigo meu Zibgniev Chlowinsky, é pobre, estudou em escola pública do nordeste, não aprendeu a escrever, é preto de pai e indígena de vizinho, sem amídalas, careca, míope e na casa dele não tem televisão colorida. Com certeza vai entrar na faculdade, pois somando todas as cotas estará com 127,38%. O problema é que irá direto para o laboratório de antropologia.

17 março 2007

O grito do Ipiranga

Pedro apesar da fama de absolutista e mandão era uma pessoa dócil e bem mandada. Sempre atendia quando chamado. Miguel, Paula, ou Joaquim. Pedro atendia da forma que o chamassem. Também pudera, batizaram-no de Pedro de Alcântara Francisco António João Carlos Xavier de Paula Miguel Rafael Joaquim José Gonzaga Pascoal Cipriano Serafim de Bragança e Bourbon.
Apesar de todas aquelas opções preferíamos chamá-lo príncipe. Era uma coisa respeitosa. Apesar de que, entre nós, às vezes a gente falava do príííncipe puchando bem o iii e colocando o queixo no ombro e piscando rapidamente os olhos. Tínhamos que ser respeitosos, afinal sempre era bom viver às custas de Sua Riqueza.
Pedro tinha mania de se vestir de príncipe. Usava calças brancas tão apertadas que permitiam saber se a moeda do bolso estava cara ou coroa. Usava também umas jaquetas com ombreiras altas e enfeitada de medalhinhas douradas. Pedro era muito avançado para a época., este figurino só virou sucesso nos bailes gays do Rio de Janeiro 250 anos depois.
Pedro era casado com Leopoldina que era tão feia que era conhecida por trem. Por isso mesmo Pedro vivia viajando fugindo de casa. Ele sempre ia a Santos para surfar. Lá as ondas são pequenas de forma que ele dificilmente caia da prancha. Sob um guarda-sol ele foi apresentado a Maria Domitília, uma paulistana que todos diziam ser de Santos. Domitília, como Pedro, era muito avançada em termos de vestimentas. Ia para praia com uma touca minúscula. Ambos tinham 23 anos e se entendiam maravilhosamente sobre os lençóis de cetim. Pedro e Domitília tinham taras sexuais incríveis: se chamavam príncipe e marquesa respectivamente.
No início de setembro, depois de dois meses de praia, Pedro já estava muito bronzeado e deveria retornar a São Paulo e cuidar dos detalhes para a sua festa de aniversário. Pedro faria 24 anos dentro de dois meses e a expectativa era muito grande para o grande baile anual de aniversário. Tudo era motivo para baile.
O mordomo, José Bonifácio, juntou todo o pessoal, mandou selar os cavalos e preparou uma charrete acolchoada para Pedro. Retornamos lentamente subindo a Serra do Mar e atravessando a Mata Atlântica. No quinto dia de viagem, em pleno feriado, chegamos ao topo da serra com esplêndida vista da baixada santista. Montamos acampamento e preparamos uma peixada real.
Os peixes já não tinham sangue azul. Estavam verdes após calorosa viagem numa época em que não havia frizer nem geladeira.
Almoçamos e seguimos viagem. José Bonifácio queria chegar em São Paulo a tempo de ver o desfille no noticiário da tevê.
O peixe verde começou a saltar dentro da barriga de Pedro. Não tardou a achar a saída. Pedro borrou-se todo. Borrou também a bela carruagem aveludada. O cheiro da condução de Pedro ficou insuportável de modo que ele teve de montar um cavalo. Foi necessário limpar-se num riacho próximo. Na falta de papel higiênico utilizou-se da Gazeta do Rio de Janeiro onde leu que foi rebaixado de regente para delegado. Neste exato momento o outro peixe verde saltou de dentro da barriga da Sua Riqueza provocando enorme dor. Pedro urrou.
– Meeeeeerda!
O peixe buscou a independência e este episódio foi retratado anos depois por Pedro Américo e batizado como “O Grito do Ipiranga”.

08 março 2007

Apaguei ontem após longa, extenuante e celestial seção de amor e sexo sob as luzes do eclipse lunar. Acordei com passarinhos alvorando na minha janela.
Antes mesmo de saber a cor do céu liguei a música do computador e o aleatório escolheu “Arpan” de George Harrison na sua fase Hare Krishna. Fechei os olhos e a minha imaginação sentou-me de cueca branca no frio piso da varanda, cruzou-me as pernas e, ioguísticamente, juntou-me o polegar e o indicador de cada mão. Posição ereta olhos fechadas num looooogo e sonoro OOOOMMMM. O sol bateu-me à testa. Reabri os olhos. É impressionante como existem dias em que nossas antenas captam melhor a energia presente na luz solar. Amén!
Li o jornal enquanto alimentava o corpo com laranja doce. Corrupção, bandalheira, desvio de dinheiros públicos, nepotismo, suborno, impunidade. Nem nos fins de semana os políticos dão folga! Vade retro!
Apliquei um filtro solar na pele e saí pelo eixão domingueiro.
Manhã maravilhosa. A cabeça a mil por hora pensando projetos. Olhos como sempre, à procura de curvas femininas. Braços se exercitando em dessintonia com o caminhar das pernas. Os órgãos do corpo não estavam em harmonia, cada um defendendo seus interesses. Caminhei roboticamente. Até que... sempre há um: até que... Até que, lá de longe, ouvi um barulho grave de tambores. Ritmo espaçado. Cadência forte e marcada. Parei e virei a cabeça para o oeste na direção da praça da Harmonia Universal. Um gramado enorme entre duas superquadras da Asa Norte. Vi um amontoado de pessoas sob um espaçoso toldo multicolorido. Um cartaz anunciava o novo ano chinês. Independentemente de qualquer comando, as pernas começaram a se movimentar naquela direção que os ouvidos perscrutaram e os olhos indicaram. As pernas correram. Pulmões foram oxigenados na corrida. O meu todo queria chegar antes daquela apresentação terminar.
Quarenta jovens, quase todos orientais, numa ginástica marcial batiam tambores e pandeiros em ritmo compassado. Movimentos amplos. Baquetas verdes, coletes vermelhos cardinais e longas meias brancas brilhantes. Tudo protegido por seis guardiões ostentando enormes bandeiras amarelas que balançavam ao vento.
Muitos aplausos e assobios. Gente de toda idade, cor e credo.
Todas as manhãs às seis ou sete e meia, há trinta anos, o mestre Moo Shong Woo promove seções de tai chi chuan. Sob as nuvens, a comunidade chinesa promove gratuitamente a ginástica e prega a paz e a harmonia. Já estiquei meus músculos e alonguei minha coluna algumas vezes em conjunto com eles. Admiro profundamente o trabalho do quase octogenário mestre Woo. Pena que os horários e a distância não sejam muito favoráveis. Gostaria que a montanha fosse a Maomé.
Agora, sob o enorme toldo colorido um grupo de vinte e cinco pessoas uniformizadas formou um retângulo e graciosamente iniciou movimentos de tai chi. A música de Enya bateu fundo. No Natal, Jorge, meu sobrinho, presenteou-me com cedê com trocentas músicas deliciosas. Entre as quais esta, de Enya, e aquela do guru Harrison bebendo das fontes indianas. Eu poderia fazer parte daquele grupo, ao menos a idade era compatível.
Muitas pessoas sob e ao redor do toldo. Um grupo de camisas douradas ensaiando coreografia com espadas. Um senhor com roupa negra de samurai. Outro senhor de vastos bigodes trajando cetim azul celeste. Uma menininha se lambuzando de sorvete de chocolate. Dezenas de fotógrafos amadores. Alguns profissionais. Um sujeito com microfone buscando entrevistas. Um político abraçando quem lhe passasse à frente. Uma grisalha oriental de mãos dadas com o netinho na bicicleta. Os alto falantes anunciando nova apresentação e pedindo que todos jogassem seu lixo nos lugares certos para devolver a praça tão limpa quanto encontrada antes do evento. Todos os tipos de gentes: crianças, gordos, pretos, maiorias e minorias.
Antes de ir embora fui olhar os quiosques. Sabonetes cheirosos. Toalhas pintadas à mão. Sushis de legumes. Budas de cerâmica e dragões de resina. Nossas Senhoras de Aparecidas. Pães de queijo e vatapás. Maravilhas de quiosques ecumênicos.
Levantei os olhos e a cinco metros, bem à minha frente estava um senhor em roupa de cetim creme, calvo, ereto, sessenta anos aparentes, sorridente, olhos puxados. Juntei minhas mãos no peito, fechei os olhos e lentamente abaixei a cabeça em reverência carinhosa. Quando abri meus olhos recebi um acolhedor aperto de mão do mestre Wu.
Já tive a oportunidade de trocar algumas palavras com ele anteriormente. Olá, bom-dia, obrigado, para o senhor também. Desta vez foi diferente. Não falei nem ouvi. Foi apenas um aperto de mão. Não qualquer aperto de mão. Fiquei mais leve. Recebi uma energia indescritível. Meus olhos marejaram. Não sei o que aconteceu. Sei apenas que o corpo estremeceu e rumou para casa.
Jamais segui qualquer tipo de religião. Mesmo respeitosamente, critico sempre o fanatismo cego e a religiosidade interesseira.
Estive na Esplanada dos Ministérios na vinda do papa João Paulo II. Milhões de pessoas reverenciando o carisma de Sua Santidade. O momento foi inesquecível. Mas não captei a mesma energia.
Só captei a mesma energia no começo dos anos oitenta quando estava nos corredores de um órgão público e pouco a minha frente caminhava um senhor de cabelos loiros encimados por solidéu. Eu arrisquei chamar: – Rabino Sobel?
O rabino virou-se, caminhou em minha direção me abraçou forte disse uma palavra carinhosa no meu ouvido e retornou ao seu grupo. Meus joelhos quase dobraram com a energia que recebi daquele homem.
E agora de novo: o mesmo magnetismo.
São dez e quinze. Eu já estou pronto. O mundo já pode acabar.

※ ※ ※ ※ ※
Desenho de Eduardo Bonfim do HQ Os Barbudão

05 março 2007

Estréia



Chegou o dia 5.
É minha vez. O dia cinco de março é dia da minha estréia no Bar do Escritor.
Três dias antes disseram que eu ficaria nervoso.
Eu me lembro de ter dito que eu tiraria de letra. O alfabeto inteiro. Estava tranqüilo. Tranqüilíssimo.
Isso foi três dias antes. Era começo de noite do dia dois.
Passei a noite em claro. Contei carneirinhos. Pensei no meu texto. Contei mais carneirinhos. Tomei água com açúcar. Contei carneirinhos. Bobagem, água com açúcar. Aguinha com açúcar e carneirinhos. Daqui a pouco aparece o lobo mau e bota um fim essa história infantil. Pensei num texto e virei um vidro de maracujina. Apaguei rapidinho.
Texto que é bom, nada.
Graças à maracujina, meu dia 3 começou lá pela uma da tarde. Aí tive que recuperar o tempo perdido fazer aquilo que deixei de fazer pela manhã.
Por que diabos fui escolher o dia cinco? O mês tem trinta dias e fui escolher logo um dia lá do comecinho. O calendário estava todo aberto e escolhi aquele número. Sou burro mesmo. Poderia, por exemplo, ter escolhido uma das dezenas do burro: nove a doze. Teria ganho uma semana.
Rogaram praga.
Já chegou outra noite, não preparei meu escrito e os lençóis já começaram a pesar. Apesar de você, amanhã há de ser outro dia... A cabeça gira, gira e gira e gira e nada de fixar um conto ou uma crônica. Levanto da cama, pego um copo com água e digo com voz firme e alta:
– Não vou fazer a besteira de tomar outro vidro de maracujina. Eu sou um escritor responsável. Olhei para o copo de novo e de acordo com minha palavra, rapidamente engoli uma bolinha vermelha de Lexotan.
O dia 4 começou sonolento às três da tarde.
Meu tempo está acabando. Tenho de ter a idéia, escrever, revisar e postar. A contagem regressiva está próxima do dois , um fogo!
Ai! Deu dor de barriga.
Por que as estréias são assim?
Eu poderia ter ganho dois dias e escolhido o dia sete. Sete são as notas musicais. Sete são as cores do arco-íris. Sete são os motivos pelos quais não consigo escrever.
Meu tempo está se esgotando rapidamente e ainda tenho que organizar tudo para uma festa aqui em casa amanhã.
Tudo o que eu sempre quis na vida era escrever e ser lido. Minha grande oportunidade chegou. Dia cinco, por quê?
No fundo eu sei. Dia cinco de março completo 55 anos. É meu aniversário.
Este é meu melhor presente para quem escreve: escrever e ter alguém que leia até aqui.
Obrigado.


Enzine Bar do Escritor http://www.bardoescritor.blogspot.com/

27 fevereiro 2007

Getúlio e Virgínia Lane

Segundo o Tutty Vasques, a história da ex-vedete Virgínia Lane mudou o tiro mais famoso do país: o que matou Getúlio Vargas.
Virgínia Lane concedeu a Roberto Canázio, da Rádio Globo, no último dia de Carnaval uma entrevista onde falaram sobre marchinhas de época e da atração que as pernas da ex-vedete ainda exerce sobre o público.Em um dado momento, a conhecida relação amorosa que ela manteve com o presidente Getúlio Vargas enveredou pelo delírio absoluto. Miss Lane resolveu falar e vejam no que deu:
- Eu tive paixão por esse cara (o Getúlio);
- E você freqüentava mesmo o Palácio do Catete?
- Você quer saber de uma coisa que vou dizer pela primeira vez. É meio perigoso... Eu estava na cama com ele quando entraram e o mataram. Ele foi assassinado, meu filho! Quando ouviu o barulho de gente entrando no quarto ele ainda chamou o Gregório Fortunato e mandou que ele me jogasse pela janela.
- Você viu o assassino?
- Eram quatro homens de máscaras que atiraram nele. Dois deles ainda correram para o Jardim, tiraram minha roupa, me deixaram nua em pêlo e disseram “vai, vagabunda, vai arrumar outro presidente. Vou contar toda essa história no livro que estou escrevendo, “Sua Excelência, a vedete que viu”. Sou uma testemunha viva da morte de um homem com quem não tive um casinho, não. Passei quinze anos dormindo e acordando com ele.
Eu escutei a entrevista e fiquei pensando: será que ela esclerosou ou a história é outra?

Logo após ler a coluna de Tutty Vasques em O Globo enviei e-mail com meu depoimento:

Pois eu, Roberto Klotz, afirmo: a história de Virgínia Lane é verdadeira.

Era quinta-feira. Passamos 24 horas fechados dentro de um armário escuro no hall de distribuição dos quartos do Palácio do Catete. Trezoito, era o líder, só poderíamos sair do armário após a ordem dele. Anos mais tarde soube que ele nos contratou a pedidos de Carlos Lacerda. Cicatriz estava ansioso, queria terminar o trabalho logo. Mão Negra não dizia palavra. Nós só poderíamos entrar no quarto após o grito do presidente. O presidente mantinha uma rotina impressionante, todos os dias, às vezes mais de uma vez, urrava igual ao Tarzan, seu ídolo, ao terminar sua relação fantasiosa com Jane. O nosso problema é que o presidente estava sempre disposto, não tinha hora certa. Virgínia tinha quatro roupas selvagens para agradar ao presidente. Não tínhamos certeza da hora, sabíamos apenas que iria acontecer e que sua excelência era dinâmico e rápido.
Deviam ser umas cinco e meia daquela fria madrugada quando Virgínia abriu o armário e escolheu a roupa de oncinha que estava num cabide logo à minha esquerda. Foi um momento inesquecível. Pude sentir o perfume de Miss Lane. Não era o perfume de uma vedete vulgar, era o cheiro de uma dama. Ela fechou a porta do armário e eu fechei meus olhos deixando fluir o aroma do perfume até chegar aos neurônios que instantaneamente acionaram a vitrola cantando sassaricando na voz maviosa e provocante de Virgína Lane. Aquela era a minha sensação predileta: medo e tesão. Meu desejo era entrar logo naquele quarto onde estava presidente. Por uma questão de ordem, eu aguardaria minha vez.
Cicatriz me cutucou:
– Será que Gegê ainda vai demorar muito?
Fiquei furioso. Odeio que interrompam minhas fantasias.
Neste exato segundo, o presidente imitou o Rei das Selvas e bateu com os punhos fechados no próprio peito.
Trezoito, Cicatriz e eu saímos do armário em direção ao quarto. Mão Negra, que também estava estimulado, ficou para trás porque estava com as com as calças arriadas.
Abri a porta, Cicatriz afastou a gostosa da Virgínia, Trezoito atirou. Mão Negra abriu a janela para Virgínia correr. O Tarzan, digo, o presidente ainda chamou por Fortunato antes de bater com as dez. Trezoito pegou a arma e colocou na mão de Getúlio. Corri atrás de Virgínia e tentei convencê-la que agora seria a minha vez e depois seria a vez de Mão Negra. Ela ficou brava, se esquivou e xingou com um sonoro palavrão. Mão, irritado ainda gritou:
– Vai, vagabunda, vai arrumar outro presidente.

Guardei este segredo desde aquele 24 de agosto de 1954 por amor, tesão e respeito a Virgínia. O crime já prescreveu e como ela abriu o bico, confirmo para quem quiser saber.

Minha única dúvida é quanto ao dia da semana, quinta-feira. O restante, é a mais absoluta verdade.

※ ※ ※ ※ ※
Hoje, dia 28 de fevereiro, em 1920, nasceu a cantora, vedete e compositora Virgínia Lane.

24 fevereiro 2007

Sombra da Figueira


Fim de tarde, sentei-me no banco da praça. Minhas companhias eram a sombra da figueira e um livro ilustrado. Acomodei-me, estiquei as pernas e abri o livro.
Uma carruagem parou na minha frente. Mexi interrogativamente a sobrancelha direita. O cocheiro, numa reverência com a cartola, fez um convite para um passeio. Depois de ser chamado Mi Lord, quem não iria?
Rapidamente chegamos a um enorme paredão de pedras cercado com água por todos os lados. Uma ponte de madeira era a única ligação para a ilha do castelo. Entramos. A parelha estancou bem à frente do arco principal. Desci. Antes mesmo do primeiro passo, ouvi o chicote estalar. A poeira se levantou e fiquei só. Pela amabilidade do cocheiro imaginei uma comissão de boas-vindas. Mas não. Nenhuma viva alma. Nem viva, nem morta. Observei toda a volta, o pátio estava deserto. Não vi ninguém nas duas torres. Não percebi nenhum movimento sobre os telhados. Na guarita não havia nenhum guarda. Ninguém.
Lentamente entrei. Pares de archotes sugeriam o caminho. A curiosidade levou-me ao átrio. Um grande espaço, o teto em abóbada, paredes de pedras retangulares e vários arcos, sugerindo vários caminhos. Lugar imponente embora mal iluminado. Posicionei-me exatamente no meio da grande sala. Entre o ponto mais alto do forro e a estrela negra marcada naquele chão de pedras regulares que formavam enormes círculos concêntricos. Nenhuma sombra denunciava presenças. Mantive-me em silêncio e girei meu corpo lentamente até completar a volta inteira. O único barulho era o da minha pulsação. Fechei os olhos e puxei o ar. Não me mexi. Percebi sutil odor de suor. Aspirei novamente. Abri os olhos, direcionei o nariz para minha axila. Maldita tensão! Em vez de sair, escolhi uma das aberturas curvas. Em frente, à esquerda. Não era a maior, era a mais iluminada. O corredor de pedras prosseguia largo e, da mesma forma que a entrada, guarnecido por pares de archotes produzindo luz amarela e trêmula. Andei uns cinqüenta passos e cheguei a uma escadaria. Para cima escura e para baixo mal iluminada. Optei descer.
Dei duas voltas antes de chegar ao piso inferior. Novo corredor largo. Neste ponto o olfato acusou cheiro de resinas de árvores, provavelmente alguma mistura para aquelas chamas acesas. A sensação era de umidade, desconforto e calor. Cheguei a uma sala com várias armaduras. Na parede, observei seis longas lanças metálicas terminadas em ponta ou em lâmina com se fossem machados. Estavam dispostas horizontalmente. Vi três bastões com correntes prendendo bolas cheias de pontas. Percebi nobreza nos vários escudos com brasões coloridos. Estavam dispostas, ainda, algumas armas que pareciam enormes foices, além de outros objetos estranhos. Nenhuma armadura tinha elmo. Não encontrei elmos nem nada que lembrasse capacetes. A outra parede ostentava espadas grossas e finas. E várias facas. Escolhi uma com bainha de couro desenhada e que poderia ser presa à cintura. Imaginei guerreiros guilhotinados. Resolvi sair daquele depósito de armas.
Mais alguns passos e cheguei à ampla adega. Estanquei na entrada. Sempre foi meu desejo servir-me de uma taça de vinho diretamente de um barril de carvalho. O coração começou a bater forte. Olhei em volta detalhadamente. Uns trinta tonéis. Cada tonel devia ter uns mil litros de vinho. Nenhum movimento. Nenhum ruído. Entrei e fui direto para a estante e, na ausência de taças, escolhi um copo de estanho. Fui ao tonel mais próximo e no momento em que pus a mão na torneirinha, senti o cheiro. Aquilo não era vinho. Em vez da torneira iluminada, escolhi outra, mais adiante, na penumbra. Desta vez não aceitei a proposta do castelo. Limpei o copo com a barra da camisa e posicionei-me para receber o líqüido dourado. Eu estava certo, não eram tonéis de vinho, eram barris de uísque. Uísque especial. Aspirei profundamente o centeio fermentado até ouvir uma gaita-de-foles. Molhei os lábios, estalei a língua e sentei-me à enorme mesa.
Jamais poderia ser vinho. Fui chamado Mi Lord. As armaduras sem elmos não eram resultado de francesas guilhotinas. Certamente estaria na Escócia, e em toda Grã-Bretanha usam a forca. Imaginei a corda no meu pescoço. Senti um arrepio na espinha. E senti também uma mão no meu ombro. Tomei um enorme susto.
– Vô, não quer dormir em casa?
Rapidamente me recompus, ajeitei a faca na cintura, peguei o livro sobre transportes antigos e caminhei abraçado com meu netinho até em casa, deixando para trás a sombra da figueira.


※ ※ ※ ※ ※
Primeiro lugar no concurso de contos da comunidade ††† Vale das Sombras††† no Orkut

23 fevereiro 2007

Meu amor voltou

Passei uma semana muito triste. Fui abandonado por um longo amor. Os meus dias ficaram mais longos e vazios.
No fim de semana, não suportei e saí em busca de companhia. Tive duas relações pagas, uma no sábado e outra no domingo. Não é o mesmo prazer. Nessas coisas sou muito conservador. Acho que para algumas coisas existe hora certa. Gosto logo cedo pela manhã. Estou disposto e receptivo. E no fim-de-semana tive que sair e buscar meu prazer.
Ontem eu quase telefonei implorando a volta. Mas resisti bravamente no meu orgulho.
Hoje cedo, abri a porta e fiquei excitado, estava lá, aos meus pés, o meu jornal voltou.
Tive mais uma relação. Amo jornal logo cedo.

15 fevereiro 2007

Socorro!

Quais os passos para incluir endereços de outros blogs ou sites no meu blog?

Quais os passos para acabar com a obrigatoriedade de senhas para os comentários?

Quais os passos para ganhar na Mega-sena? Bom, isso já é outra história...

14 fevereiro 2007

A escrita

Escrever é um prazer. Ter a quem escrever, mais prazeroso ainda. Ser correspondido é o orgasmo.
Mudei de cidade no começo dos anos setenta. Deixei para trás amigos, parentes, paqueras, e muita saudade da adolescência. Jamais gostei de ficar ao telefone. Passei a escrever. Escrevia até vinte cartas semanais. Quase todos retornavam. Com um amigo iniciei uma partida de xadrez por carta, era época de Mequinho e Bobby Fisher, todos jogavam xadrez assim como todos hoje sabem tudo sobre tênis. Meu pretexto era escrever.
Sempre fui sonhador e romântico. Meus temas sempre foram uma espécie de crônica com humor. Acho delicioso brincar com as palavras. Palavras escritas. Estas podemos garimpar, peneirar, escolher. Namoro as letras, busco o tom da palavra. O som da palavra. O teor mais adequado. As ditas podem ser aveludadas, ácidas, carinhosas, odiosas, sensuais, vingativas, informativas, casuais, irônicas, adjetivas ou substantivas.
Ao escrever temos o tempo do mundo para refletir, mensurar cada letra. Apagar e reescrever. Podemos ir à prateleira e nos socorrermos de um livro, da enciclopédia, de um guia, de um manual ou do pai-dos-burros. Na estante sempre há um desmancha-dúvidas a nos servir de bengala.
Tenho orgulho da minha cultura geral. Ela nem sempre está disponível na linguagem falada. Demora... e as pessoas procuram outro interlocutor. A oratória não é minha praia. È no texto que tenho a oportunidade de externar minha cultura inútil. A quem importa saber que dracma é a moeda da Grécia? A quem importa saber que a frase “um pequeno passo para o homem e um grande passo para a humanidade” foi bolada pelo pessoal de marketing para Neil Armstrong dizer ao pisar na Lua? Que o Japão é formado basicamente por quatro ilhas e que a maior chama-se Hondo? Que nasdróvia é o que russos e poloneses brindam ao tomar vodka? Quem se importa em saber que foi Pedro Américo que pintou o famoso quadro da Independência do Brasil? Estas e outras filigranas, só têm graça e poder na tinta sobre o papel.
Alguém em sã consciência empregaria a palavra filigrana ao invés de detalhe? Perceba que delícia, em vez de empregar escrita novamente, empreguei alguma coisa criada neste segundo: tinta sobre o papel. Quando falamos não temos a preocupação em evitar a repetição de vocábulos. No papel está tudo registrado, usamos dos sinônimos e criatividade. É nossa obrigação. É no papel que temos a oportunidade de mostrar erudição, cultura e educação sem sermos petulantes ou arrogantes. O texto é lúdico.
Na escrita pensamos e externamos sem sermos interrompidos, possibilitando iniciar, desenvolver e fechar determinado assunto. Colocamos a nossa opinião por inteiro e com os nossos argumentos por completo. Outra grande vantagem, ao menos para mim, é conseguir externar os mais profundos sentimentos, coisa que olho-no-olho jamais faria. E jamais fiz. No papel não temos as sobrancelhas para mostrar o tom da palavra, não adianta sorrir, ninguém percebe, se estamos indignados temos que usar as palavras. Os internautas resolveram de uma forma bastante interessante colocando entre parênteses suas percepções. Sorrindo, gargalhando, nervoso, apaixonado...Penso ser uma alternativa genial. Entretanto acredito que ainda podemos sussurrar doces palavras gentilmente no ouvido de quem nos quer ler. Viu só como toquei no ponto?
Minha dificuldade é a digitação. Uso dois dedos apenas e tenho que olhar o teclado. No oral sinto-me pessoa sem comunicação. Tenho dificuldades em iniciar uma conversa. Prefiro o silêncio a tomar a iniciativa. Não sou de falar alto e comandar uma boa roda de pate-papo. Sou o tête-à-tête. Prefiro aquela conversa particular. Mais intimista e menos balaqueira (termo gaúcho que se refere às pessoas que contam vantagens e de preferência em voz alta).
Abandonei o hábito de escrever por falta de tempo e de interlocutores. Ao menos não parei de ler. Não com a intensidade e qualidade que gostaria. Agora, trinta anos depois, ao estar desempregado e ocioso, resolvi buscar uma paquera pela internet. Não sei se vou encontrar o que busco, mas com certeza encontrei a quem escrever.
E tenho dito! Ou melhor: e tenho escrito!
※ ※ ※ ※ ※
Retrato de Erasmo de Rotterdam por Quentyn Metsys em 1517

09 fevereiro 2007

Já fui vampiro

Diz a lenda que vampiros mordem pescoços. Não se enxergam no espelho. Que só saem à noite à procura das suas donzelas vítimas. Que são ameaçados com crucifixos. E que se afugentam com alho.
Adoro dar um chupão em pescoço, feminino é claro. Melhor que vampiros, procuro as donzelas e não donzelas, de dia e à noite também. Perguntam se não tenho espelho em casa, julgam que estou muito velho para caçar moças e mocinhas. Já os crucifixos não me ameaçam. Até faço o sinal da cruz de vez em quando. Que o bom Deus me perdoe, mas as moças valem o pecado.Minha maior identificação com os vampiros está no repúdio ao cheiro de alho. Tenho uma vizinha linda, gostosa e malcheirosa. Exala alho por todos os poros. O alho é invenção dos franceses. O Chanel número 5 também. Pois é, na minha outra encarnação, já fui vampiro.

04 fevereiro 2007

Despertar

Ao invés do despertador fui acordado pelo telefone.
– Alô!
Silêncio.
– Alô. Alô. Alô?
Silêncio.
– Alô?
Tém, tém, tém. Foi a resposta desligada que recebi.
Voltei para cama.
Sempre que o telefone toca de madrugada fico ligado imaginando desgraças e tragédias. A taquicardia pelo susto do barulho do telefone libera a adrenalina do despertar.
Eu deveria atender dizendo:
– Você ligou na minha casa. No momento estou dormindo. Após o sinal deixe seu recado.
Também poderia ter atendido de outra forma:
– Se você quer me acordar digite 1.
– Se você se enganou e já me acordou, digite 2.
– Se você é um chato e não tem o que fazer neste horário, digite 3.
– Se você quiser fazer uma cobrança desligue imediatamente.
– Se você for mulher, bonita, jovem, sensual e solitária venha correndo me encontrar, pois estou já estou acordado.

02 fevereiro 2007

Ode ao Cigarro

Este longo texto, para mim, tem um significado muito especial. Sempre fumei de forma alucinada e, tal qual todos fumantes, precisava parar. Nunca mais fumar era um compromisso muito forte. Parei numa espécie de acordo pessoal: ficaria sem fumar durante um ano. Ao se aproximar o vencimento do contrato entrei em paranóia. Eu estava louco de desejo para fumar, entretanto seria irracional voltar. Numa catarse escrevi “Ode ao Cigarro”. Ao chegar a data renovei o contrato por mais um ano. Hoje, dia 02 de fevereiro de 2007, renovo meu contrato por mais um ano.
Dediquei ao Dr Dráuzio Varella que o divulgou no site durante dois anos.
De brinde, este texto despertou o prazer da escrita: foi meu primeiro texto no mundo das letras.

※ ※ ※ ※ ※


ODE AO CIGARRO

Alguns anos atrás li um artigo da Cláudia Raia em que ela fez uma verdadeira apologia ao cigarro. Jamais fui fã de la Raia. Mas aquelas palavras... – Ah... como gostaria que tivessem sido minhas. Era exatamente o que eu gostaria de ter dito: – Pô, deixem-me fumar, ora bolas!
Não guardei o texto, mas lembro que era contra aqueles caras inoportunos que se incomodavam com nossa fumaça nos restaurantes ou filas. Até na casa da gente vêm esses xiitas incomodar.
Acordar no meio da noite... Fumar um cigarrinho e voltar a dormir. Só quem é profissional sabe como isso é gostoso.
Acordar cedo e, antes mesmo do cafezinho, dar aquela tragadinha é indispensável.
Eu só sei falar ao telefone com um cigarro aceso. O cigarro me dá segurança. Além da segurança, ele me dá tempo de escolher melhor as palavras entre um trago e outro. As palavras estão difíceis? Acendo outro cigarro e, com charme, tenho a resposta pronta.
Paquerar com um cigarro é ótimo. A mão fica ocupada e a gente esconde a timidez atrás da fumaça. Na euforia, eu celebro fumando. Na tristeza, eu choro fumando. Sono? O cigarro me desperta. Tesão? O cigarro me deixa ainda mais ligado. Hoje estou nervoso, preciso de um tragada profunda. Almocei uma feijoada, ora, que delícia! (Tô falando do cigarro, logo após, e mais um após o café). Cara, é muito bom! Jogar pôquer sem cigarro, nem pensar. Temos de esvaziar o cinzeiro que começa a transbordar pela segunda vez. Eu me lembro, uma vez eu fui à casa de uma menina e estava literalmente apaixonado. Acendi meu cigarro adolescente. Ela reparou que eram três os cigarros simultâneos. Ah, meu Deus do céu, que mancada!
Quantas recordações! Sou profissional desde os 15 anos, e olha que já estou com quase 51.
Todos nós fumávamos. O incomodado que se mudasse. Os tempos mudaram. Muitos amigos traíram e largaram o cigarro. Mais de uma vez fumei em lugares proibidos, ostensivamente. Marcando território. Igual a cachorro mijando em poste.
A cigarrilha era mais charmosa ainda, era cara e a tragada era pesada. Não agüentei e voltei ao meu cigarro. Estou falando de cigarro, jamais usei o tal do baseado, nada contra, mas minha praia é outra. Sempre tive pavor de ficar viciado. Sempre gostei de tomar um chope. Jamais me viciaria em bebidas. Cachimbo: caramba, que charme! Fumei um período. Mas tinha muitas desvantagens. As pessoas reclamavam que produzia muita fumaça forte, o seu trago, quando chegava aos pulmões, não era muito bem recebido. O cachimbo tem de esfriar. Tem de ser limpo. Quanta pantomina! Quero fumar logo!
Eu tenho a minha marca. Marca é fundamental! Se você não tem marca, fuma o que te derem, você não é fumante. É um chato filador.
Uma coisa eu sempre detestei: fumar na frente do espelho, dar aquela tragada profunda e ver que a cor da fumaça que desce é diferente da cor da fumaça que volta. Sempre acreditei que o filtro do cigarro retivesse as coisas ruins. É pra isso que serve o filtro.
Em outras épocas, acendia um cigarro no filtro do anterior.
O trabalho estressante. Um telefonema. Um chope. Uma transa. Uma fossa. Uma alegria. Um funeral. Outro telefonema. Uma negociação. Um passeio de carro. Uma conversa. Nenhuma conversa. Cigarro, companheiro de todas horas.
Cigarro tem de ser aceso com isqueiro a gás. A tragada com gosto de fósforo é muito ruim.
Eu me lembro de um isqueiro Ronson dourado que meu pai me deu. Aquilo é que era isqueiro. Era o Rolls Royce dos isqueiros. Dei para o meu irmão, que sempre desejou um isqueiro igual àquele, que, por outro lado tinha de ser recarregado de vez em quando e às vezes falhava. Isso me irritava profundamente. Nunca vou me esquecer do meu pai dando-me aquela maravilha. A cena era meio funesta. Mas o isqueiro! Meu pai havia sofrido um enfarte e, na condução da maca, no hospital, deu-me aquela pequena jóia, com uma lágrima no olho. Ele ficou bom, nunca mais fumou, e também não se importava quando as pessoas fumavam.
Você fuma? Tem uma coisa que me incomoda no cigarro. Soltar a fumaça dos pulmões de encontro a um guardanapo de papel colado nos lábios. Puxa, que coisa mais asquerosa! O papel fica mais sujo que o filtro. Sempre acreditei que o filtro do cigarro retivesse as coisas ruins. É pra isso que serve o filtro.
Eu jamais deixo as pontas se acumularem no cinzeiro; além de ser antiestético, fede.
Escrever, ler, descansar, prosear, cagar, pensar, concentrar, diga qualquer verbo: o cigarro sempre é companheiro.
Com meus vinte e poucos anos, peguei uma hepatite B e praticamente fui desenganado pelo médico. Eu odeio médicos. Só vou em último caso. Eu já havia desmaiado duas vezes. Não precisei de exames: hepatite. Entre outras proibições, veio a do cigarro. Médicos sempre são contra. Fiquei de cama 75 longos e intermináveis dias. Lá pelo sexagésimo dia, na fossa, fumei escondido, às 4 da manhã. Não desceu fácil. O segundo desceu redondo. Companheirão.
No dia seguinte, estava em forma. Vinte cigarros, um maço. Profissional é assim. Não, não sou compulsivo, sou profissional.
Como se chama mesmo aquela doença em que as pessoas não conseguem respirar? Eu ouvi falar pela primeira vez por um chefe de trabalho. Nossa, ele fumava demais, e tinha medo dessa tal doença, pois o pai dele havia morrido e ele presenciou o sofrimento do pai. Anos mais tarde o grande Ney faleceu com a mesma doença. A hereditariedade é fatídica.
Sempre adorei a água, e sempre fiz demonstrações de como meu fôlego é bom. Nos áureos tempos ficava dois minutos sem respirar. Estou meio fora de forma, mas acho que ainda consigo ficar um minuto nos dias de hoje. Apesar de profissional.
Sou capaz de escrever um livro: Meu Amigo: O Cigarro. Quantos momentos!
Quando minha mulher engravidou, teve uma grandeza enorme. Parou de fumar. Temporariamente. Na segunda gravidez, a mesma firmeza de caráter. Temporariamente parou. E lá se vão 19 anos. Pela primeira vez fiz algum esforço para parar.
Uma vez, meu irmão mais velho me perguntou quantos cigarros eu fumava por dia. Quanto custava o maço. Como bom engenheiro, fez as contas e castigou: “Com o dinheiro do cigarro, você já poderia ter comprado um carro zero”. Vai se danar! Cadê o seu carro zero? Você nunca fumou. Pois é, 16 anos de cigarro dão para comprar um carro novo. Já entrei no meu terceiro carro.
Você sabe o que é paixão? É amor desenfreado, irracional, ilógico.
Pois o que sinto pelo cigarro é paixão.
Compulsão... Um atrás do outro e quero mais.
Ilógico... Já fizemos as contas da grana que vai embora.
Irracional e irresponsável... Todo fumante sabe dos malefícios, não vou nem tentar relacionar. Odeio os médicos.
É por isso que fumo: PAIXÃO.
Sabe, tentei parar diversas vezes, diminuí inúmeras vezes. Mas a paixão é avassaladora, te devora e te leva para os prazeres do cigarro.
Foram tantas as tentativas! Foram tantas as derrotas! Meu Deus, como é gostoso fumar!
O pai do meu melhor amigo também foi fumante profissional. Ele já não conseguia respirar, por causa de um tal de enfisema (só de me lembrar dessa maldita palavra já deu vontade de tossir). Ele fumava escondido da esposa e dos filhos. Eu o visitei no seu último dia de vida. O Gus é de longe meu amigo mais querido. Mas muito chato, sempre foi um antitabagista militante. Muitas vezes fumei na casa dele. E ele sempre reclamou.
Chato mesmo foi a transformação da sociedade.
Repartições públicas, shopping centers, restaurantes, aviões, alguns hotéis, banheiros (até banheiros); elevadores, tudo bem; cinema e ônibus urbano nunca pôde. Escola pode. Criança também aprendeu a reclamar. Onde já se viu pirralho mandando contra cigarro de adulto? Os tempos mudaram.
Minha mulher deixou de fumar. Os filhos, incomodados, assumiram postura de xiita intransigente, contra o cigarro, naturalmente. Naturalmente era fumar. Era.
Tentei parar outra dúzia de vezes. Uma vez eu me lembro de ter perguntado desesperadamente: o que um não fumante faz com as mãos?
De outra vez, fui diminuindo até o dia do embarque de nossa viagem internacional em família. Na hora do embarque, faltou o tal do último cigarro que eu pretendia filar no aeroporto. Maravilha! Passei oito, oito, repito oito meses sem fumar.
Numa roda de chope senti as pessoas fumarem deliciosamente seus cigarros e fumei um. Deu trabalho. O segundo e o terceiro desceram maravilhosamente bem.
Passei outros períodos menores sem fumar. Uma vez 10 dias, de outra vez 20 dias.
Eu me sinto traído pela minha família brasiliense, nós éramos seis fumantes. Só eu continuo. Meu irmão, paulistano, também profissional, já não tem o isqueiro dourado e nunca saiu desesperado para comprar cigarros pela noite afora. Bom profissional, compramos de pacote.
Minha voz estava muito rouca. Ela vinha piorando muito. Até a poeira no meu trabalho me incomodava. Ninguém mais me ouvia. O médico disse que teria de fazer uma cirurgia, para tirar o calo das cordas vocais. Decretou: você tem de parar de fumar! Odeio médicos. Nos 15 dias que antecederam a cirurgia eu não fumei. Era páscoa de 2001. Aproveitei para fazer uma cirurgia que diminuísse o meu ronco. A cicatrização foi dolorosa e sem cigarros. O drama foi abrir o envelope com o resultado da biópsia. Câncer? Levei um dia para abrir o maldito envelope.
Negativo. Eu sabia, meu companheiro não iria me trair.
Eu deveria retornar depois de seis meses para nova laringoscopia. Sem fumar.
Jamais retornei ao médico, somente ao cigarro.
Já tentei diversas formas. Combinação das diversas formas. Acho que existem tantas formas quantos existem de regimes para emagrecer.
Pouco importa. Juntei tudo, analisei minhas fraquezas e derrotas e marquei mais uma data. Sábado. Descobri depois que a data era cabalística ou metafísica: 02.02.2002.
Algumas coisas foram diferentes desta vez. Eu estava decidido a mudar muitas coisas na minha vida. Um livro me ajudou a ter auto-estima e trabalhar com metas.
Parei, fiz exercícios, não engordei, não substituí por comida, tomei muita água, comi muita cenoura.
Sou profissional. Já faz um ano que estou sem fumar. Mas continuo profissional. Muitas vezes já estive prestes a comprar um maço vermelho e branco. Aspirei a fumaça de vizinhos. Não me tornei xiita. Não senti melhora no meu fôlego, nem no meu bem-estar. O dentista já fez uma limpeza nos meus dentes. Tá bom, eu confesso, o meu olfato melhorou.
Sempre tive medo do vício. Sou profissional. Passei o pior ano da minha vida. Com pressões que não desejo ao meu pior inimigo. Separação, depressão, desemprego, solidão, vontade de ir ao Inferno, ansiedade, venda de casa própria. Mas não fumei.
Os artigos em que descrevem que as fábricas de cigarro escondem uma química viciante na fumaça dos cigarros me deu uma força enorme ao descobrir que não sou fraco. Minha luta é solitária contra uma poderosa e milionária máquina.
Nesse período de ausência de cigarro, teve um médico – odiosos médicos! – Dráuzio Varella, que me deu uma ajuda, ao mostrar que eu era do tipo especial: profissional, e por isso a minha luta seria inglória. Não sou profissional, o meu primeiro cigarro será o retorno ao vício. Sou um viciado.


ODE AO CIGARRO. Ou seria ÓDIO AO CIGARRO?





※ ※ ※ ※ ※

O maravilhoso desenho é de Maurenilson, um jovem talento brasiliense.


24 janeiro 2007

Pirenópolis

Sábado completo. Perfeito. Com a namorada passeei em Pirenópolis.
Acordamos sem pressa e após uma gostosa espreguiçada ouvi a pergunta:
- Vamos a Pirenópolis?
- Só se for agora!
O relógio da cabeceira, com seus números vermelhos, indicava nove horas.
Brasília e Pirenópolis são tão próximos que a música do rádio só foi interrompida na altura do majestoso Salto Corumbá. Do acostamento, registramos o momento com a máquina digital. Percorremos mais algumas curvas da Serra dos Pirineus até chegarmos ao pavimento de pedras da cidade.
Encostamos o carro à beira do antigo presídio, bem junto à ponte cor de sangue do Rio das Almas. Trocamos as blusas por camisetas ecológicas, tomamos refrigerante e recebemos as informações para o passeio. Coisa leve, para abrir o apetite.
Sob o sol, caminhamos pela Estrada do Norte construída no século XVIII pelos negros escravos. A nos espiar estavam os troncos amarelos dos paus mulatos, árvores cujos troncos amarelos são tão lisos que não permitem a escalada pelos micos abundantes na região. A água gelada das cachoeiras acalmou nossos pés cansados e gargantas secas.
O retorno tranqüilo nos levou para a cidade acolhedora. Mil opções de culinárias variadas nos aguardavam. Forno à lenha, comida goiana, cozinha mineira, pizza do alemão, cozinha mediterrânea, crepe francês, sushi e sashimi, esculturas criativas nas frutas do self service.
A cada passo tínhamos que engolir a saliva que teimava em se manifestar a cada cheiro e a cada olhar.
A tradição, o regionalismo, o aconchego e a simplicidade nos conquistaram.
A leitura do cardápio foi saborosa com um dedal de água de alambique combinada com tiras de torresmo.
Peixe na telha, galinha à cabidela, frango com quiabo, arroz com pequi, feijão tropeiro, guariroba refogada, leitão à pururuca.
Na espera, a cerveja com véu de noiva fez companhia. O olho gordo comeu e se lambuzou todo. A ambulante adivinhou nossa hora e ofereceu opções biscoitos caseiros e frutas desidratadas como sobremesa. Pensamos em terminar com café passado na hora. Não acabou. O licor de pequi vai deixar saudades.
Não esperamos baixar a lombeira e a preguiça de uma refeição desapressada.
Tínhamos que retornar a Brasília para um compromisso noturno. Entramos no carro passamos em frente à Matriz de Nossa Senhora do Rosário, maltratada pelo pavoroso incêndio em 2002, apreciamos o azul do Theatro. Demos mais uma voltinha e... prevaleceu o prazer e o bom senso. Visitamos o orquidário, passeamos na praça do coreto, compramos uma lembrança. A Rua do Rosário esperava por nós. Aceitamos o convite e amamos loja por loja.
Vimos muito artesanato, cultura e criatividade. Cabeças de touro em papel machê, semente de baru torrada, cristais e prismas esotéricos, passadeiras de mesa feitos em teares manuais, ferro de passar esquentado a carvão, móveis rústicos de madeira retorcida do cerrado, colheres de pau-brasil, camisetas com flores do cerrado, tachos de cobre, porcelana portuguesa ao som de disco 78 rotações tocadas num gramofone dourado, quadros de pedigree com bacalhau. Ainda bem que reservamos um dinheirinho! Impossível retornar de mãos vazias.
O sol começou a se despedir. As mesas na rua começaram a ser freqüentadas pela juventude bronzeada. A música preencheu espaços.
A responsabilidade do retorno nos convocou. Deixamos para trás a certeza de breve retorno. Agora mais longo. Há inúmeras opções maravilhosas para dormir e sonhar. Ou sonhar e dormir.
Pirenópolis, até breve!

※※※※※

A Igreja Matriz de Nossa Senhora do Rosário é a mais antiga do Estado de Goiás, foi construída por escravos no arraial de Meia Ponte, entre 1727 e 1738. Um grande incêndio destruiu a maior parte da igreja na noite de 5 de setembro de 2002. Com isso, imagens, paredes, pinturas do forro e parte do mobiliário foram seriamente comprometidos pelo fogo. Todo o telhado e uma das torres e todo telhado desabaram.
A igreja foi restaurada e entregue ao público em 30 de março de 2006.

18 janeiro 2007

Sempre o Nome


Sempre achei interessante o carma, o peso, a responsabilidade e os significados que um nome carrega. Em certo período colecionei listas de vestibulares, resultados de concursos, relações de atletas nos campeonatos de futebol, lista de funcionários e qualquer referência em que houvesse algum nome marcante. Com certeza não sou o primeiro a escrever sobre este polêmico assunto e tampouco serei o último. Aliás, considero este tema tão forte que recorro a ele sempre que surge a oportunidade. O estudo sério ou curioso tem até nome: antroponímia.
Um dos nomes que me instigou a curiosidade foi João Né. Operário em uma obra. Tive a oportunidade de conhecê-lo e perguntar a origem do curioso sobrenome. Juro, pelo que há de mais sagrado, a resposta foi que ao ser registrado, o funcionário do cartório teria perguntado qual o nome da criança, ao que o pai mineiro teria respondido é João, né. Para o azar do garoto.
Outro caso curioso aconteceu durante a Segunda Grande Guerra. Naquele período era proibido falar alemão. O pai tentou registrar o filho Hans Jordan. O escrevente argumentou que se era proibido falar alemão, muito mais grave seria registrar com nome alemão. O pai não se fez de rogado e o menino sustentou orgulhoso e diferente nome de Hans Caramuru Jordan.
O melhor amigo de papai era Darcy, nome dúbio masculino e feminino, Darcy Pinto da Rocha Campos. Ao se apresentar gracejava que o Pinto era da mãe. E não é o único caso. O artista Picasso, aliás, Pablo Diego Jose Francisco de la Paula Juan Nepomuceno Maria de los Remedios Cipriano de la Santissima Trindade Ruiz y Picasso, era Picasso por parte de mãe.
Ainda tem uma conhecida que ao casar não quis o sobrenome dele. Motivo pelo qual até hoje não tem filhos. Ela não quis o Pinto do marido. Mas isso já é outra história.
Conheci uma infeliz que foi batizada Maria do Rego Virgem Santos e não tive a ousadia de perguntar porquê o pai dela escolheu aquele nome. Seria alguma vingança contra a mãe da infeliz? Ou desejo para o futuro da filha?
Outro dia, no programa do Jô, um cuidador de carros disse que nomeu o filho Hilux em homenagem à caminhonete do mesmo modelo, que achava linda.
Famosos da literatura de relação de nomes estranhos: Maria Prostituta do Brasil, Rodo Metálico e Cafiaspirina.
O Congresso Nacional cooperou com algumas curiosidades: Um Dois Três de Oliveira Quatro, Pinga Fogo, Onaireves (Severaino ao contrário) de Moura, Lavoisier Maia, Inocêncio (que de inocente nada tem) Oliveira, Íris Resende e esposa Íris Resende, Dr. Rosinha, Ursicino Queiroz, Ronivon Santigo.
Se lhe perguntarem qual dos irmãos bíblicos matou o outro, a resposta é facílima. Você conhece alguém homenageando Caim?
Freqüentes também são os nomes que trazem homenagem a personagens famosos: Confúcio, Hitler, Lincoln, Maicon (sic Jackson), Rommel, Gutenberg, Temístocles, Jesus, Joana D’Arc, Lenine, Mozart. E até um esdrúxulo Jatoperi, ou algo assim, numa homenagem de um inglês ao ataque da Seleção Brasileira da Copa do Mundo em 1970 (Jairzinho, Tostão, Pelé e Rivelino).
O sobrenome representa a continuidade familiar. O filho, às vezes, tem a vida facilitada, outras vezes, nem tanto.
Considero um fardo a escolha impensada. Na dúvida não ultrapasse. Consulte.
Somente pais com mente perversa, irresponsável ou absolutamente ingênua escolhem nomes como Cornélio, Florindo, Florêncio, Modesto. Existem aqueles que invariavelmente levam a gracinhas repetitivas: Ao Humberto sempre perguntam se o irmão dele é o Doisberto; O Tadeu sempre ouvirá pergunta se forma dupla com Tadando; ao Wilmar sempre informam que vi o céu; a infeliz Raimunda é sempre associada à rima nada profunda.
Outras vezes os pais realmente não tem mérito nenhum e os filhos são abençoados com nomes que aparecem em canções maravilhosas. Luíza do Tom Jobim para ficar no exemplo. O problema é quando acontece o inverso. Quando a Aids surgiu o governo encampou propaganda onde os homens deveriam proteger o Bráulio. Chico Buarque depois de difundir e propagar Carolinas jogou pedras em todas as Genis da face Terra. Houve música da década de 70 em que depois de muita insinuação de opção sexual encerrava com o refrão e o nome dele é Waldemar. Todos os Aurélios em algum momento são chamados de pai dos burros. E até hoje todos os Zezés sofrem com a pergunta será que ele é, será que ele é?
No mínimo é curioso quando os pais resolvem homenagear alguma nação:
Ítalo, Germano, Israel, Franco.
Nosso país é fantástico, temos liberdade de expressão. E, por direito adquirido, os pais resolveram criar moda juntando e criando novos e originais nomes. Pega a primeira sílaba do nome dele, junta com a última sílaba do nome dela, uma pitadinha do nome dos sogros e pronto está criado mais um mágico e singular prenome: Auricélia, Raimurildo, Josicléia, Edylcea, Loresmar, Marconeisson, Rosialva, Rosineide, Derlopidas, Altomires, Jaminsom, Jorzely, Flavamario, Sonijardo, Eilovir e o tudo mais que a imaginação puder criar.
A outra moda é estrangeirar usando e abusando ipsilones, kas e dabliús, além de trocar a grafia de acordo com a temperatura ou qualquer parâmetro ou nenhum parâmetro. Antigamente ficávamos apenas com meia dúzia de combinações de Terezas e Heloísas. É sempre desagradável ter que explicar:
– Olha, é Denise com zê, viu!
Numa reportagem recente, li que um zeloso escrivão disponibilizou um cardápio com dezoito grafias diferentes para Washington. Por favor, gostaria do número nove combinado com o sete do Rooswelt.
Nos países nórdicos, ao escolherem nomes para os filhos eles não acrescentam Filho nem Júnior, justapõe filho na língua deles, son. Daí Johnsson, Davidson, Cristianson e Williamson. Emerson, Wilson e Creysson não tem nada a ver com isso.
Na França há um livro com todos os nomes e ninguém pode ser registrado por outro além daqueles. Por isso que todo francês é Pierre, Jean Marie ou François. Este último serve para homens ou mulheres. Melhor que em Portugal que só tem dois nomes: Joaquim e Manuel.
Em Nova Iorque havia um sujeito que queria que seu filho fosse o primeiro da lista telefônica e pagou ao escrevente um extra e batizou o filho com o sobrenome Aaabrahan issso meeesmo com treees aaas. Será o primeiro até que sobrevenha algum Aaaabraham.
Recentemente li que os norte-americanos também usufruem a liberdade de criação no batismo dos new americans. Estou louco para conhecer algum Iemanjá Lee ou Tucunaré Jones.
Aliás, nossa herança indígena legou vários nomes bonitos e significativos, pena estarem em desuso: Ubiratan, Ubirajara, Ibaté, Jurandir, Jandira, Iraci, Iracema, a virgem dos lábios de mel, Capitu do Machado de Assis, Moacir, Irajá, Jussara, Murici, Sinara, Tabajara, Itupi, Moema, Oberdan, Gilmar, Valdeci, Guaraci, Jacira, Juvenal, Peri, Ceci e Iara.Meu nome é tão comum, Roberto, origem latina, nenhum significado especial. Será? Após longos e tediosos estudos descobri o enigma que carrego. Meu nome foi gerado algum tempo após o assim denominado eixo, Itália, Alemanha e Japão guerrearem contra o resto do mundo. O meu nome foi composto pela primeira sílaba de cada uma das capitais daqueles países: Roma, Berlim e Tóquio.

Pleonasmo

– Prezados senhores, é com imenso orgulho que passo a palavra ao mais ilustre filho da nossa terra. Ele já foi vereador, agora é nosso prefeito e será nosso representante junto ao governo estadual. Com vocês, o redundante e repetitivo Sr. José Pleonasmo do Apita e Silva.
– Nesta maravilhosa noite em que vejo com meus olhos uma platéia repleta de gente, gostaria, antes de mais nada, agradecer a presença das autoridades do almirante da marinha e do brigadeiro da aeronáutica. Considero um ponto positivo a meu favor, contar com tão valiosas freqüências. Convido-os a subirem para cima do palanque. Eu, particularmente, tenho o prazer de externar para esta digna gente de trabalhadores que, ambos os dois, almirante e general, estarão no nosso partido para somar forças e quem sabe monopolizar a exclusividade de novos empregos. A nossa experiência anterior sugere que devemos sempre, e todas às vezes, cuidar dos pequenos detalhes para que tenhamos uma população com fartura de alimentos diariamente. Dentre estes acontecimentos que acontecem vejo muitas crianças com sorriso nos lábios. Recentemente, tive uma surpresa inesperada e consegui resolver as relações bilaterais de dois municípios vizinhos. Com a minha equipe planejo planos antecipadamente para o futuro de forma que os empréstimos temporários não mais acontecerão no erário público. Na minha opinião, particularmente, do meu ponto de vista temos que ser a favor da felicidade geral do povo e da população. Simultaneamente, concomitantemente e ao mesmo tempo farei com que todos os impostos sejam reduzidos. Para encerrar quero deixar um epílogo final com o agradecimento por todo o consenso da esmagadora maioria que vota em mim. Preciso do voto de vocês para enriquecer minha autobiografia.
– Puxa, Vossa Excelência hoje se superou a si mesmo. Por que toda esta alegria?
– É que eu inaugurei aquela moça pela terceira vez.

17 janeiro 2007

Gaita de Foles

Acordei no meio de noite. Olhei para o relógio que brilhava três horas da manhã. Fechei os olhos novamente para retomar meu sonho.
Eu estava num campo verde claro cercado por dezenas de ovelhas. A relva era salpicada de rochas cinzentas, mesmo tom do céu. Eu era pastor em algum lugar da Escócia e ouvia a música de uma gaita de foles.
Abri novamente os olhos, levantei e rumei para o banheiro. Sonho engraçado, meu único contato com os escoceses foi o uísque que tomei há uma semana.
Fui buscar um copo d’água e, surpreso, ouvi a música do sonho invadindo minha cozinha.
Curioso, sem acender as luzes, fui à janela.
Vi a cena mais surreal da minha vida. Um magrelo alto, sem camisa e descalço tocando gaita de foles em baixo da luz do poste. Enquanto tocava aquelas notas uníssonas, dançava como se estivesse num palco sob refletores. Na sombra estava a platéia: um vira-lata preto, deitado com a cabeça entre as patas, curtindo a música do dono.
Tive vontade de descer e conversar com a estranha figura. Eu não queria perguntar a marca do uísque.
Queria saber se tinha um pouco para mim.

16 janeiro 2007

A Picape


– O casal foi lá em casa na hora do almoço. Confirmei que a minha camionete era de cabine dupla. Entraram e minha esposa ainda ofereceu aos dois um doce de abóbora com coco. Célia aceitou e as duas mulheres ficaram conversando enquanto nos dirigimos ao térreo onde a picape estava estacionada. Fazia muito calor e lembro-me de que no elevador o Fernando perguntou se a picape tinha ar condicionado.
– E depois?
– O Fernando examinou detalhadamente a pintura, procurou diferenças de brilho, observou se as frestas das portas e capô estavam uniformes. Abriu o porta-malas e confirmou que a lataria não sofreu nenhuma avaria. Quando examinou o motor comentou que não gostava quando o motor era lavado, pois ocultava possíveis vazamentos. Percebi que os olhos dele brilharam quando viu a quilometragem. Eu ainda disse que eram 28 mil quilômetros de asfalto da cidade e de uma única e maravilhosa viagem percorrendo todo o nordeste em lua-de-mel.
– Aí, o Fernando virou a chave e ouviu o ronco do motor diesel. Ele fechou a porta, abaixou o vidro e perguntou se a rua à frente era de mão para a esquerda ou a para direita. Engatou a primeira e saiu lentamente.
– E a senhora, dona Andréia?
– Fiquei ouvindo a Célia me contar que o Fernando era uma pessoa muito querida. Que eles passaram a noite em claro se amando loucamente e hoje, pela manhã, juntos, fizeram compras no shopping. Ela tinha ganho aquela blusa e a calça que estava usando. A bolsa também era nova para combinar com as sandálias. Ela estava eufórica porque o Fernando iria apresentá-la para a família dele e gostaria que ela estivesse maravilhosa. Até um relógio ela ganhou.
– E o que mais?
– Ela disse que estava apaixonada pelo Fernando, que ele tinha muito gosto e que escolheu pessoalmente aquela blusa. Ela disse que deveria ter um decote atraente porém sem ser vulgar. Que detestava vulgaridades.
– Como foi que a senhora, dona Célia, conheceu o senhor Fernando?
– Eu me formei em pedagogia e não consegui encontrar emprego. Trabalhei como secretária num escritório de advogados por seis anos, fiquei desempregada e resolvi ganhar dinheiro da mesma forma como paguei minha faculdade. Coloquei um anúncio no jornal e foi daí que o Fernando me ligou.
– Então a senhora conheceu o Sr. Fernando ontem à noite, fizeram um programa, foram às compras, aposto que acabaram com um talão de cheques furtado, e depois escolheram a picape do nosso amigo depoente.
– É, seu delegado, é por isso que acho que o desgraçado não volta mais com a minha caminhonete! – Exclamou furioso o ex-dono da caminhonete.

10 janeiro 2007

Hantavirose

Na morte todas as pessoas são glorificadas. São esquecidos os pecados e desventuras, à beira da cova o falecido é colocado como anjo.
O atestado de óbito, de uma forma ou de outra, presume o modos vivendum do extinto.
Cirrose hepática: era um camarada alegre, sempre pagava uma bebida...
Aids: tinha uma vida sexual intensa e feliz...
Enfarto: pessoa preocupada com os próximos...
Acidente de carro: acabou de comprar um carro novo, estava realizado...
Hantavirose: cheirou cocô de rato.
Ninguém merece.
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O quadro "Preparando Enterro na Rede", do pintor Cândido Portinari - avaliado em US$ 1 milhão foi roubado em 2005 da Galeria Thomas Cohn.
 
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